sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Poder público e empresas desdenham a arte sergipana

Adauto Machado é conhecido por retratar 
cenas do cotidiano sergipano 

Publicado originalmente no site CINFORM, em 23 de novembro de 2018

Poder público e empresas desdenham a arte sergipana

Por Julia Freitas 
              
“Às vezes encontram verbas para coisas fúteis, mas para a arte quase não se olha” – Adauto Machado

Quando o padre Gerard Olivier era prefeito de Japaratuba (SE), o Ministério da Saúde propôs bancar o traslado dos restos mortais e de todo o acervo do já internacionalmente consagrado artista sergipano Arthur Bispo do Rosário, para sua terra natal.

O Ministério só exigia a contratação do seguro pelo município. O padre, segundo narrativa do diretor da Galeria de Arte Álvaro Santos, jornalista Luiz Adelmo, alegou que não poderia arcar com as despesas de seguro do transporte, porque o povo preferiria a contratação da banda baiana de axé, Chicletes com Banana.

No dia da festa, a população se embriagou de “cultura” ao som de Bel Marques e sua excelente banda (justiça se faça) e tudo acabou “bem”. Essa é a expectativa da sociedade sergipana quando se fala de cultura e arte.

Jenner Augusto, J. Inácio, Álvaro Santos, Arthur Bispo do Rosário, Adauto Machado, Cauã, Joel, Hortência. Esses são alguns dos nomes de artistas sergipanos conhecidos e reconhecidos nacionalmente. No entanto, mesmo tendo suas obras espalhadas por diversos cantos do Estado, poucos são os sergipanos que os conhecem.

Adauto tem quase 50 anos de carreira

Retratando cenas do cotidiano do povo, o artista plástico sergipano Adauto Machado já expôs e morou em países como Canadá e França. Para ele, uma das principais diferenças entre o mercado de arte em Sergipe e o do exterior é que as pessoas têm noção do preço de uma obra e não pechincham o seu valor.

“Eu acredito que o mercado europeu de arte seja favorecido pela economia deles. Ela permite que haja uma comercialização maior de um trabalho artístico e, além disso, eles não pechincham o valor da obra. Lá não tem essa de trocar uma obra de arte por um prato de comida. Enquanto que aqui eu presenciei, por diversas vezes, colegas que estavam com dificuldades financeiras e receberam ajuda para colocar comida em suas mesas em troca de uma obra de arte”, lembra Adauto.

No estado em que grande parte dos seus artistas mais conhecidos são autodidatas, o coordenador da Galeria de Arte Álvaro Santos, Luiz Adelmo, lembra que, apesar de a arte não ser valorizada por aqui, o artista sergipano é importante.

“Sergipe, de uma maneira geral, é um Estado de autodidatas. Mas, independente disso, é a terra de inúmeros artistas reconhecidos nacionalmente, como, por exemplo, Antônio Maia, que é capa do ‘Dicionário Brasileiro de Artes Plásticas’. Então, o artista sergipano é importante, embora os donos da educação não se preocupem, porque, infelizmente, as artes não dão dinheiro”, comenta Luiz Adelmo.

ESCOLA DE BELAS ARTES

Luiz Adelmo com raro quadro pintado
 por Jenner Augusto, em 1948

Para Luiz Adelmo, um dos motivos que fazem com que não exista um mercado de arte em Sergipe é a ausência de uma escola de Belas Artes, como existe em outros lugares do país, principalmente para formar uma consciência no artista.

“Não basta você dizer ‘eu sou um artista’ para ser. Você tem que obedecer a parâmetros para que nós tenhamos a consciência de lançá-lo no mercado. Uma coisa é você ter habilidade de pincel e outra coisa é você ser artista”, comenta.

O artista plástico sergipano Adauto Machado afirma também que, apesar de oferecer cursos de pintura em seu ateliê, para ele, a Escola de Belas Artes é uma carência que há anos é cobrada pela classe artística do Estado.

“Um cursinho que você faz com um artista é uma coisa, uma Escola de Belas Artes é outra. Ela é quase uma faculdade, porque você tem que ter disciplina e estudar por um tempo para ter o seu diploma. E essa é uma carência que nós temos e não sei porque ainda não foi criada. Talvez seja porque artista não dá voto. Infelizmente, a obra de arte e a cultura, de um modo geral, ainda são restritas a um público pequeno e com a cabeça feita”, comenta.

SALÃO DOS NOVOS

Escultura do artista sergipano Nogueira
Fotos: Vieira Neto

Realizado durante 26 anos, o Salão dos Novos era uma excelente oportunidade para os novos artistas plásticos sergipanos, que, além de expor o seu trabalho na Galeria de Artes Álvaro Santos por quase um mês, tinham a chance de receber R$ 1.500,00 (prêmio pago na última edição do Salão) caso ficassem entre as três obras vencedoras.

“O principal objetivo da Galeria Álvaro Santos é dar oportunidade aos artistas que estão começando. Por isso, há 26 anos vem sendo realizado o Salão dos Novos, que é uma grande oportunidade para aqueles artistas que nunca conseguiram expor o seu trabalho individualmente”, comenta o coordenador da galeria, Luiz Adelmo.

No entanto, o concurso que era realizado Prefeitura Municipal de Aracaju, por intermédio da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju) e da Galeria Álvaro Santos, não foi realizado neste ano, por falta de recursos, segundo o governo municipal.

“Eu participei algumas vezes do júri do Salão dos Novos e eu vi coisas belíssimas lá. Muitos jovens com um talento incomparável. Eu acho que esse concurso deveria ser realizado todos os anos, sem interrupção. Lamento a não realização neste ano. Às vezes encontram verbas para coisas fúteis, mas para a arte quase não se olha”, lamenta Adauto.

Texto e imagens reproduzidos do site: cinform.com.br

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