Foto reproduzida do site: pge.se.gov.br
Postada por MTéSERGIPE, para ilustrar artigo.
Publicado no site NE Notícias, em 26/02/2014.
A terra sergipana na obra amadiana
Por Rangel Alves da Costa *
Grande parte da obra do eternamente genial Jorge Amado é
tecida num misto de inventividade e memorialismo. Foge ao conceito de ficção
porque são perceptíveis relatos de vivência do autor como pano de fundo para
tramas inteligentemente elaboradas. Passo a passo recorre à sua própria
vivência, bem como de seus familiares e lugares conhecidos, para dar maior
realismo à sua escrita.
A experiência pessoal de Jorge Amado, desde o menino
grapiúna ao moço viajante pelos recônditos nordestinos, é toda transcrita nos
seus livros. Dentro da invencionice do escritor há sempre o próprio autor
transcrevendo suas memórias. E por isso mesmo situa tanto sua obra no seu berço
de nascimento, a região cacaueira da Bahia, como situa retratos sergipanos ora
como personagens ora como cenários.
Ora, Jorge nunca negou suas raízes sergipanas nem seu amor
por estes caminhos desde que se refugiou por algum tempo na casa de seus avôs
na região de Itaporanga. E mais tarde alargaria seu passo para outras
localidades, e também aquelas de dunas ribeirinhas que mais tarde seriam
recordadas em livros como Tieta do Agreste. Daí as fiéis descrições de
paisagens, logradouros aracajuanos e interioranos, bem como acerca dos famosos
cabarés citados em suas obras.
Na obra amadiana, Sergipe primeiro surge como história, e
também como história permanece na ficção. Seu pai, o Coronel João Amado, era um
sergipano arribado pras bandas cacaueiras do sul da Bahia, montando fazenda num
mundo de tocaias entre Ilhéus e Itabuna. O autor nasceu no distrito de Ferradas,
em Itabuna, mas passou toda a infância em Ilhéus. Contudo, aos treze anos fugiu
de um internato e veio parar na casa de sua família paterna em Itaporanga.
O primeiro casamento de Jorge Amado se deu no município de
Estância, em 1933, com Matilde Garcia Rosa. Aliás, a região estanciana era
costumeiramente visitada pelo escritor, onde tinha muitos parentes e também
como forma de fugir às perseguições políticas. Conforme Luiz Antônio Barreto,
“Em Estância Jorge Amado viveu capítulos singulares de sua vida, que jamais
esqueceu. O seu coração batia no ritmo estanciano do casario colonial, do Hotel
Vitória, da Papelaria Modelo, da Sociedade Monsenhor Silveira, e deixou, em
cada um dos amigos e conhecidos, uma imagem amiga, doce, irreverente algumas
vezes, mas sempre acomodada no bucolismo da paisagem” (Jorge Amado em Estância
- www.infonet.com.br/luisantoniobarreto/ler.asp?id=67674).
Por isso mesmo não é mero exercício de romancista quando
Jorge Amado tanto situa Sergipe na sua obra. O faz como transcrevendo um diário
de campo, rebuscando vivências, colhendo as memórias de suas andanças em terras
sergipanas. É como se um mapa estivesse à sua mesa de escritor e ele avistando
os percursos e rememorando ou recriando os fatos.
Em “O menino grapiúna”, diz que “Os vagabundos ainda
demorariam a fazer parte de meu universo, do meu cotidiano. Com eles comecei a
tratar quando, aos treze anos, fugi do internato dos jesuítas e atravessei o
sertão para chegar a Sergipe, à casa de meu avô”. Em “Cacau” relata acerca de uma
fábrica mantida por seu pai na antiga capital de Sergipe: “A cidade subia pelas
ladeiras e parava lá em cima, bem junto ao imenso convento. Olhando do alto,
via-se a fábrica, ao pé do monte pelo qual se enroscava a cidade”. “Talvez não
fosse bela a velha São Cristovão, ex-capital do Estado, mas era pitoresca,
pejada de casas coloniais, um silêncio de fim de mundo, as igrejas e os
conventos a abafarem a alegria das quinhentas operárias que fiavam na fábrica
de tecidos”.
Tereza Batista nasceu nas margens do Rio Real, nos limites
da Bahia e de Sergipe. Cita Jorge Amado que “A badalada estréia de Tereza
Batista no cabaré Paris Alegre, situado no Vaticano, na área do cais de
Aracaju, no país de Sergipe Del-Rey, teve de ser adiada por alguns dias”. “Nos
quatro cantos da Praça Fausto Cardoso, onde se eleva o Palácio do Governo,
tabuletas coloridas anunciam para muito em breve no salão do Paris Alegre a
Fulgurante Imperatriz do Samba”. E prossegue: “No cabaré Paris Alegre a
juventude doirada de Aracaju se diverte a preços razoáveis”. Em Aracaju também
o Café e Bar Egito e cabarés: Torre Eiffel, Miramar, La Garçonne, Ouro Fino.
Faz ainda muitas referências a Estância, a Boquim, a Mangue
Seco, dentre outras localidades. Com relação a Estância, sintetiza: “formosa e
doce terra, couto ideal de amigações, cidade única para nela se viver um grande
amor...”. E Tieta, de “Tieta do Agreste”, reinava igual cabra afoita desde
menina pelas dunas de Mangue Seco, às margens Rio Real, na divisa da Bahia com
Sergipe.
Natário da Fonseca, temido capanga, e depois capitão, de
“Tocaia Grande”, se tornou poderoso nas terras cacaueiras depois que matou um
comerciante numa casa de putas de Propriá. De Lagarto era a rapariga novinha
apelidada de Zezinha do Butiá. E “Não escapou nenhum dos jagunços do coronel
Elias, pistoleiros de renome, trazidos do sertão de Sergipe d’El Rey, terra de
valentes”.
E muito de Sergipe eternizou Jorge Amado, e o fez na mesma
medida do acolhimento recebido quando precisava descansar, conhecer pessoas
simples e cativantes, escrever, refugiar-se da intolerância política, larguear
suas raízes nas terras d’El Rey.
* Advogado e escritor. Acesse blograngel-sertao.blogspot.com
Texto reproduzido do site: nenoticias.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário