Navio “Baependy”
Publicado originalmente no site da Folha de S. Paulo, em
08/07/2007.
Testemunha relembra dias seguintes à tragédia.
Do enviado a Aracaju/SE.
Filha do faroleiro das praias de Atalaia, Robalo e
Mosqueiro, na costa de Sergipe, Salvelina Santos de Moraes, 75, presenciou na
segunda quinzena de agosto de 1942 a chegada à terra dos destroços e cadáveres
dos navios Araraquara, Baependy e Aníbal Benévolo.
Tinha 10 anos.
Passados 65, ela ainda lembra detalhes da tragédia e guarda
até o cheiro que acompanhava o pai quando chegava, após recolher e enterrar as
vítimas.
"Quando meu pai chegava em casa, a gente tapava o nariz
por causa do fedor. Ele tinha que tirar toda a roupa e tomar banho para depois
falar com a gente. Ele saía a cavalo com os militares. Ficava dias sem vir em
casa", contou ela à Folha em entrevista em sua casa modesta no bairro
Santo Antônio.
O pai dela era Teodoro José dos Santos. Depois dos
torpedeamentos, a Capitania dos Portos e o Exército enviaram equipes às praias
em busca de sobreviventes e corpos. Santos era o guia dos militares. As praias
eram desertas, praticamente virgens.
Salvelina conta que, em agradecimento, o capitão dos portos
de Aracaju autorizou o pai a levar para casa duas peças de tecidos que deram à
praia. A mãe fez calções, vestidos e camisetas para ela e os irmãos (dois
meninos e quatro meninas). Roupas de ficar em casa, explica.
"Os panos já não eram grande coisa. Como ficaram no
mar, piorou. Não dava para fazer roupa de sair, não. Para mim, ela fez um
vestidinho", disse.
"O povo se revoltou".
Outro fator familiar liga Salvelina à tragédia. O tio
Henrique Francisco dos Santos, marinheiro, sobreviveu ao naufrágio do Baependy
e ainda salvou a passageira cearense Vilma Castello Branco, irmã do
tenente-coronel do Exército Humberto Castello Branco, que dois anos depois
estaria guerreando na Itália e que presidiu o país de 1964 a 1967.
Salvelina e os irmãos tiveram autorização para ir até a
praia de Atalaia ver os destroços. Não esquece das covas coletivas e de corpos
inchados e apodrecidos. "Ficamos com muito medo. Era uma coisa horrível.
Tinha mulher, criança. A praia estava cheia. Só se viam cadáveres, era corpo
demais."
Aos 15 anos, José Martins Ribeiro Nunes estava no colégio
quando chegaram as notícias sobre os torpedeamentos.
"Os estudantes foram para a rua, atacaram os italianos
e alemães. O povo se revoltou", disse ele, que é conhecido em Aracaju como
Zé Peixe, prático famoso por acompanhar os navios até a barra do rio Sergipe e
dali voltar nadando para a terra. (ST).
Texto reproduzido do site: folha.uol.com.br/fsp/mais
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