quinta-feira, 23 de março de 2017

Sergipe artístico, literário e científico


Imagens simplesmente ilustrativas, postadas por Isto é SERGIPE.

Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 05/08/2013.

Sergipe artístico, literário e científico
Por: Cristiane Vitório de Souza.

A memória intitulada “Sergipe artístico, literário e científico”, redigida por Joaquim do Prado Sampaio Leite e editada pioneiramente pela Imprensa Oficial, foi encomendada por Manoel Corrêa Dantas, Presidente do Estado de Sergipe, para ser apresentada na Exposição Ibero-Americana de Sevilha. Essa exposição, com o tema “Indústria, Arte, História e Comércio”, realizada entre 9 de maio 1929 e 31 de junho 1930, tinha como objetivo reforçar os vínculos entre a Espanha e a América. Desde os tempos de Dom Pedro II, o Brasil costumava participar dessas exposições internacionais. Os políticos e intelectuais da época consideravam que era a oportunidade de evidenciar que o país, ao contrário do que os observadores estrangeiros imaginavam, caminhava a passos largos em direção à civilização. Para Sergipe, o menor estado da federação, participar de uma exposição como essa significava a possibilidade de apresentar para os mais de dois milhões de pessoas que a prestigiaram o seu progresso, representado pelo talento dos seus intelectuais.

Por que a escolha do presidente recaiu sobre Joaquim do Prado Sampaio Leite? Filho do farmacêutico Joaquim do Prado de Araújo e Dona Lídia Carolina Alves Sampaio, esse sergipano que nasceu no dia 3 de junho de 1865, em Aracaju, após estudar as primeiras letras com os professores Cipriano José Pinheiro e Manoel Alves Machado e o secundário no Ateneu Sergipense, seguiu a trajetória dos intelectuais com capital social elevado, matriculando-se na Faculdade de Direito de Recife e tornando-se bacharel em 1889.

Exerceu diversos cargos públicos em Sergipe e Pernambuco. No estado natal, ocupou a promotoria pública em Japaratuba, Itabaiana, Aracaju e Maruim e a magistratura em Lagarto e Gararu. Em Pernambuco, foi juiz em Vitória, Secretário de Polícia e advogado nos foros de Vitória, Camamu, Nazaré e Limoeiro. Também foi deputado estadual, um dos responsáveis pela elaboração da primeira Constituição de Sergipe, e professor do Ateneu Sergipense durante vários anos ensinando Literatura, Psicologia e Lógica.

Participou da criação de importantes associações científicas como o Instituto Histórico Geográfico de Sergipe, do qual foi um dos principais oradores, e a Academia Sergipana de Letras. Escreveu em diversos periódicos como Jornal do Recife, Diário de Pernambuco, Estado de Sergipe, Jornal de Sergipe, Sergipe Jornal, Correio de Aracaju, Diário da Manhã e Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Como polígrafo, característica dos intelectuais daquele período, escreveu obras que podem ser enquadradas em diversos campos do conhecimento como o Direito, a Literatura, a Filosofia, a Etnologia, a Geografia, a História e a Psicologia.

Portanto, Prado Sampaio era um dos principais líderes da cena intelectual sergipana, prestigiado tanto pelos mais experientes quanto pelos mais jovens. Certamente, esse perfil deve ter influenciado o presidente a escolhê-lo para redigir a memória. Ainda pode ter contribuído o fato de Prado Sampaio ter publicado em 1908, “A Literatura Sergipana”, obra sobre o mesmo tema, que foi reaproveitada na elaboração de “Sergipe artístico, literário e científico”.

Prado Sampaio dividiu a obra em introdução, seis capítulos e uma conclusão. No intróito, sob o influxo das ideias cientificistas de Ernest Haeckel e Friedrich Ratzel adaptadas à realidade brasileira, esclarece que as manifestações culturais devem ser analisadas a partir dos conceitos de raça (elemento estático) e meio (elemento dinâmico), que são responsáveis pela diferenciação e integração da cultura nacional. Nos capítulos, assevera que Sergipe, tanto do ponto de vista etnológico quanto do mesológico, propicia a eclosão de talentos, que inclusive auxiliaram no desenvolvimento da literatura e da ciência nacionais, a exemplo de Tobias Barreto, Sílvio Romero, João Ribeiro, Gumercindo Bessa, Fausto Cardoso, Felisbelo e Laudelino Freire. Apresenta manifestações culturais como a poesia, a filosofia e a música, destacando os seus principais representantes e os mais significativos centros intelectuais (São Cristóvão, Itabaiana, Lagarto, Estância, Laranjeiras, Maruim e Aracaju). Porém, recorda que em “A Literatura Sergipana” afirmara que os sergipanos viam-se obrigados a emigrar em busca de prestígio em centros intelectuais mais desenvolvidos porque nosso estado ainda não tinha condições de consagrar os gênios locais, em virtude da inexistência de um público cultivado, capaz de consagrar seus talentos, de uma imprensa vigorosa, capaz de torná-los conhecidos em outros pontos do país, de bibliotecas e academias opulentas e de um sistema de ensino renovado, essenciais para o desenvolvimento da atividade intelectual. Em “Sergipe artístico, literário e científico”, o autor mostra-se mais otimista, pois observa que algumas décadas depois a imprensa, a biblioteca e a educação apresentavam-se mais evoluídos, oferecendo aos intelectuais nativos o ambiente adequado para o desenvolvimento de suas atividades. Considera que o campo intelectual local atravessa “uma fase de alentado revigoramento e largas esperanças”. Conclui que Sergipe, apesar de ser um estado acanhado do ponto de vista territorial, é privilegiado em matéria de talento e que graças a ele é possível vislumbrar um porvir luminoso.

A reedição da obra “Sergipe artístico, literário e científico”, de Joaquim do Prado Sampaio Leite, que passa a integrar a Coleção Biblioteca Casa de Sergipe, criada a partir de um convênio entre a Universidade Federal de Sergipe e o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, é uma importante contribuição para os estudos sobre a cultura sergipana. A leitura desse texto de sabor cientificista permite a um só tempo conhecer um pouco da arte e da literatura de Sergipe no Império e no alvorecer da República e compreender como as ideias de cientistas cultuados na Europa e no Brasil foram adaptadas por um homem de ciência para explicar o desenvolvimento cultural do seu torrão natal (...).

Texto reproduzido do site: jornaldacidade.net/artigos-leitura

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