Antigo Carnaval de Rua em Aracaju/SE. (Rua João Pessoa).
Imagem postada por MTéSERGIPE, para ilustração desse artigo.
Reproduzida no Blog dedinharamos.
Foto do acervo de Edelde Ramos.
Publicado originalmente no site da UFS, em 08/06/2010.
Antigos carnavais de Aracaju
Por Samuel Barros de Medeiros Albuquerque*
Na tarde do último dia 27, o Instituto Histórico e
Geográfico de Sergipe recebeu a visita de uma equipe da TV Sergipe envolvida na
produção de uma matéria sobre dos antigos carnavais aracajuanos. Buscavam
registrar imagens de documentos que remetessem aos festejos de outrora.
No rico acervo da “Casa de Sergipe”, como é carinhosamente
conhecido o Instituto, a equipe se interessou por alguns objetos, fotografias e
notícias de jornais, além de alguns escritos legados por renomados autores
sergipanos.
Inspirado pela produção da referida matéria, tratei de
revisitar um dos mais primorosos textos da memorialística sergipana, o
encantador “Roteiro de Aracaju”, obra de Mário Cabral, publicada em 1948.
Dialogando com autores como Corinto Mendonça, Mário Cabral
informa que, em Aracaju, o carnaval surgiu ainda no século XIX, em princípios
da década de 1890. Fomentado, sobretudo, pelo tenente Henrique Silva, surgiram
os primeiros grupos de foliões, ao som de clarins e zabumbas, usando máscaras e
fantasias. Mário trata com riqueza de detalhes dos desfiles dos primeiros
clubes: o Mercuriano, o Cordovínico e, depois, o Baco e o Arranca. Segundo ele,
“os carros alegóricos formavam grandiosos préstitos, procedidos,
majestosamente, pelos clarins dos arautos” (Roteiro de Aracaju. 3ª ed. Aracaju:
Banese, 2002, p. 55).
Entre as décadas de 1910 e 1930, o carnaval aracajuano
passou por muitas transformações. O corso de automóveis na Rua João Pessoa, o
uso generalizado de fantasias, confete e lança-perfume são marcas desse
período. Mário também rememorou os concorridos bailes de carnaval. Segundo o
poeta, “o povo dançava nos famosos bailes do Cinema Rio Branco. A grã-finagem
se divertia no Clube dos Diários. O Recreio Clube, posteriormente, passou a ser
o quartel general da folia carnavalesca, sendo o seu baile da terça-feira, um
verdadeiro acontecimento social e mundano” (Roteiro de Aracaju. 3ª ed. Aracaju:
Banese, 2002, p. 55).
Sob o ritmo do frevo, o nosso carnaval ganhou novo fôlego na
década de 1940, após a Segunda Guerra Mundial. “Durante quatro dias e quatro
noites, na Rua João Pessoa, na Praça Fausto Cardoso e na Travessa Benjamim
Constant, ao som de grandes e de poderosos amplificadores, o povo aracajuano
realiza[va] um carnaval animadíssimo. Os estandartes, como coisas vivas,
oscilam sobre o estranho mar de cabeças humanas”, informa Mário (Roteiro de
Aracaju. 3ª ed. Aracaju: Banese, 2002, pp. 55-56).
Ele afirma ainda que as ruas eram “decoradas por meio de
luzes, cartazes, bandeirolas, figuras e gigantes painéis carnavalescos”. Sem
contar com os famosos bailes dos clubes Sergipe, Cotinguiba, Aracaju e
Associação. O poeta também caracterizou os antigos carnavais aracajuanos como
um “maravilhoso espetáculo de igualdade e democracia”, congregando “velhos e
moços, pretos e brancos, ricos e pobres” na festa pagã.
Sem dúvida, os “flagrantes” do “Roteiro de Aracaju”
contribuem para o resgate da identidade aracajuana. Ana Maria Fonseca Medina,
num belo texto dedicado ao amigo Mário Cabral, escreveu: “Aracaju perdeu o ar
provinciano, tudo mudou caro poeta, mas você fez o milagre de deixar para as
gerações futuras, a cidade poética intacta, pintada pelo colorido da sua pena
de artista da palavra flamante” (Revista do IHGSE, nº 38, 2009, p. 266)
Nesse sentido, o “Rasgadinho”, um dos mais tradicionais
blocos no carnaval de rua da cidade, criado na década de 1960, ressurgiu com
força em 2003, animando os foliões do Cirurgia e bairros próximos.
Mesmo vivendo em Salvador, Mário Cabral sempre esteve atento
aos acontecimentos de sua amada Aracaju. Certamente, antes do seu falecimento,
em abril de 2009, o poeta teve notícias do renascimento do tradicional carnaval
aracajuano.
É possível que Mário tenha se deixando tomar por um súbito
sentimento de satisfação ao constatar que os antigos carnavais inspiraram os
foliões do século XXI, promovendo um vibrante encontro do passado com o
presente, resignificando uma memória que teima em sobreviver.
* Professor da Universidade Federal de Sergipe. Presidente
do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Texto reproduzido do site: ufs.br/conteudo
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