Foto reproduzida do site: aracaju.se.gov.br
Postada por MTéSERGIPE, para ilustrar artigo.
Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em
14/07/2011.
Carlos Cauê, contista de vida e morte.
Conheci Carlos Roberto da Silva (Cauê) em 1992 durante a
apresentação do recital A Poesia Revisitada.
Texto: GILFRANCISCO (Jornalista, professor universitário e
membro do IHGSE e do IGHBA - gilfrancisco.santos@gmail.com).
Conheci Carlos Roberto da Silva (Cauê) em 1992 durante a
apresentação do recital A Poesia Revisitada, uma espécie de tributo à poesia sergipana
em suas diversas fases, realizado no Palácio Olimpio Campos em 22 de dezembro,
época em que Carlos Cauê fazia parte do Grupo Iñaron, juntamente com Andréa
Vilela e Iêda Vilela. Fui levado àquele sarau pela amiga e poeta Iara Vieira,
que havia me convidado a participar de um evento literário na capital
sergipana. Pude ouvir pela primeira vez aquela voz meiga, doce, curta,
declamando poemas de Núbia Marques, Jeová Santana, Ronaldson, Santo Souza,
Marcos Vieira, Araripe Coutinho e Gilson Souza. Cauê me causou uma boa
impressão pela maneira com que recitava, talvez pelo fato de ser o único homem
do Grupo ou, quem sabe, pelo resultado do exercício de muitos anos com a
palavra que carregava consigo desde os dezessete anos, época em que ganhou o I
Concurso de Redação promovido pela EBCT/AL.
O fato é que fiquei bastante impressionado pelo desempenho
do Grupo. Soube por intermédio de Iara Vieira que o Grupo se apresentava desde
1986 e havia participado de diversos recitais nos festivais de São Cristóvão e
nos encontros de Laranjeiras, com objetivo de difundir a poesia por todos os
espaços: tirar a poesia das gavetas, dos gabinetes e trazê-la ao público como
um instrumento de expressão dos sentimentos. Fui reencontrá-lo no ano seguinte
(outubro, 1993), no V Fórum de Poesia, realizado no Centro de Criatividade. Eu
como palestrante sobre o poeta Vladimir Maiakóvski, ele com mais um recital de
poesia, intitulado Centelha Rara. Foram às únicas apresentações que assisti do
Grupo Iñaron. Mas conheci sua prosa e poesia anos depois, através do suplemento
cultural Arte & Palavra, dirigido por Célio Nunes, e mais tarde nos
Cadernos de Cultura do Estudante, publicados pela Universidade Federal de
Sergipe.
Contos de Vida e Morte, publicado em 1999 pela Secretaria de
Estado da Educação e do Desporto – SEED, apresentado por Maruze Reis, abras de
Léo Mittaráquis, edição bem cuidada, capa de Heyder Macedo, trinta e três
contos distribuídos em 120 páginas. Trata-se de uma coletânea de contos
produzidos em sua fase estudantil, em que o autor vai se moldando, se
revelando, buscando uma intimidade com as palavras.
Carlos Cauê estreou bem, apesar dos deslizes aceitáveis de
principiante, no rigor da forma da linguagem à estrutura narrativa, soube
ultrapassar o círculo autobiográfico em que giram tantos contistas modernos.
Manteve em sua literatura uma característica básica: falar
numa linguagem clara, coloquial, mas extremamente poética, do cotidiano de
pessoas que nos parecem muito familiar, em sua forma de sentir e reagir. São
contos de amor, amizade, perda, reparação, vida e morte, sentimentos que nos
ajudam a compreender melhor o mundo e principalmente nós mesmos.
Tímido, reservado, fala do que gosta, escreve sobre o que
sente. É um escritor que quer realizar sua vida, por isso construiu um livro
revelador, que refaz ou reflete o percurso verticalmente da vida e morte, com
tal riqueza, que cada frase desperta o interesse e a emoção de quem ler. O
autor de Contos de Vida e Morte escreve rápido, não para mudar a vida, melhorar
o mundo, salvar almas. Escreve para viver suas lembranças presentes na
imaginação, proporcionando o prazer da leitura, que pode ser traduzido naquilo
o que a ficção se propõe: divertir e emocionar.
Sabemos que o conto é narrativa curta, que se passa
necessariamente num lugar único, abrange um espaço de tempo muito curto e
contém poucos personagens. Mas os contistas modernos nem sempre obedecem a
velhas regras. O mais importante é o enredo ou a história, porque o desejo de
contar e ouvir histórias são inerentes à natureza humana. A década de 60 ficou
conhecida, no Brasil, como a grande década do conto.
Dezenas de escritores foram revelados ou solidificaram suas
carreiras literárias através desde gênero específico. Em Sergipe, estreia o
grande contista Renato Mazze Lucas (Anum Branco, 1961 e Anum Preto, 1967).
É possível acreditar nas histórias de Carlos Cauê, no seu
olho de ver o que está por trás da realidade de todo dia, escondido em camadas
mais fundas. Os enredos das histórias são muito simples em suas linhas gerais,
o enredo enquanto técnica narrativa e enquanto concepção do assunto. O conjunto
de contos trás, geralmente, histórias contadas na primeira pessoa, sendo os
próprios narradores personagens do relato – fator fundamental para que a ilusão
do real se instale imediatamente como se fosse um diálogo entre quem conta e o
leitor.
Jornalista e publicitário, Carlos Cauê foi um dos fundadores
do Partido Comunista do Brasil no início da década de 80 em Sergipe. Com
Edvaldo Nogueira e Álvaro Vilela, os três montaram um forte núcleo do partido
na Universidade Federal de Sergipe – UFS, de onde conquistaram o Diretório
Central dos Estudantes por vários anos. Cauê foi um dos principais condutores
de diversas campanhas políticas de 1988 até os dias atuais, com reconhecida
atuação no cenário político sergipano.
Com uma trajetória de militância no movimento estudantil e
presença marcante em vários aspectos da sociedade, o autor de Contos de Vida e
Morte nos presenteia com uma boa amostra, independentemente do modelo
constituído. Durante as comemorações dos 30 anos da anistia aos presos
políticos foi realizada em agosto de 1999 a exposição “Anistiados couro
esquecido”, com trabalhos de Bosco Rollemberg, acrescidos de textos de vários
jornalistas locais, entre os quais, um escrito por Cauê. Seus contos serviram
de base para o espetáculo “Conto ou não Conto”, dirigido pela atriz sergipana
Tetê Nahas em 2001. Cinco anos depois, Cauê escreve “Viva, A vida em um ato”,
monólogo interpretado pelo saudoso Luís Carlos Reis.
Reveste-se, enfim, esta coletânea, de peculiaridades, como a
de manter um padrão de qualidade. Cauê confirma sua capacidade de enveredar com
tranqüilidade por vários caminhos da ficção, provando seu talento como
contista. Esperamos que nesse intervalo de doze anos, entre sua estreia nas
letras sergipanas e a publicação deste artigo, assuma publicamente que em breve
nos brindará com um novo título, para uma nova viagem.
Texto reproduzido do site: jornaldacidade.net/artigos-leitura
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