Publicado originalmente no Portal Infonet, em 25/09/2004
Ioiô Pequeno da Várzea Nova.
Por Luiz Antônio Barreto.
Não existe, ainda, uma bibliografia sergipana, à qual se
possa recorrer. O que há é o esforço de algumas pessoas, em torno de temáticas,
especialmente ligadas aos trabalhos acadêmicos. Da literatura, por exemplo, o
que tem de mais completo é a História da Literatura Sergipana, de Jackson da
Silva Lima, projeto de 8 volumes, dos quais saíram apenas 2. No mais são
antologias poéticas, Lira Sergipana, de Felinto Elisio, (1883), Parnaso
Sergipano, de Silvio Romero, em dois volumes, um de 1899 e outro de 1904,
recentemente reunidos num só (Rio de Janeiro: IMAGO, 2001) cobrindo o século
XIX, Antologia de poetas sergipanos, de Serafim Vieira de Almeida (1939) e A
Poesia Sergipana do século XX, de Assis Brasil (1998).
A falta de um guia de fontes priva o leitor sergipano do
conhecimento sobre a criação literária de Sergipe. Grandes nomes ficaram
esquecidos, concorrendo para a afirmação, apressada e equivocada, que não
existe uma literatura local, com sotaque próprio, capaz de identificar
características singulares da vida cotidiana sergipana. Autores, temas e
personagens atestam, exaustivamente, a existência de manifestações artísticas e
culturais que dão a Sergipe um aporte lúdico incomparável.
No campo da meditação Sergipe já conquistou o melhor
reconhecimento, através das obras de Tobias Barreto, Jackson de Figueiredo,
Gumercindo Bessa, Fausto Cardoso, Samuel de Oliveira, Felisbelo Freire, Silvio
Romero, Manoel Bonfim, que renovaram conceitos e fundaram as bases da cultura
nacional, com críticas abrangentes de religião, literatura, direito,
sociologia, história, ainda hoje validadas pela atualidade. Os pensadores
conquistaram admiração em todo o País e no exterior, fortuna crítica que
repercutiu em Sergipe.
Há, portanto, uma certa angústia nas novas gerações, pela
falta de uma ampla bibliografia que revele a cultura sergipana, na sua
integralidade e diversidade. O quadro desfavorável seria ainda pior, se não
houvesse o esforço de órgãos e de pessoas, em defesa do patrimônio imaterial
sergipano. A Secretaria de Estado da Cultura, com parcos recursos, opera o
milagre de manter abertas as suas mais de vinte unidades, manter uma orquestra
de concertos e ainda publicar livros importantes, como os Apontamentos do
Comendador Travassos. Felizmente as platéias referendam o papel do Secretário
José Carlos Teixeira, em defesa da cultura.
Luiz Eduardo Magalhães, engenheiro de rara sensibilidade
cultural, tem sido um defensor intransigente da cultura sergipana. Curador da
biblioteca do seu pai, o saudoso desembargador Luiz Magalhães, agregando a ela
livros que pertenceram a Jorge de Oliveira Neto, colaborador da Fundação Oviêdo
Teixeira, moderador dos debates semanais do CORECON – Conselho Regional de
Economia, um dos mais democráticos fóruns da atualidade, Luiz Eduardo Magalhães
tem feito gestões no sentido de organizar ma bibliografia sergipana. bem assim
de incentivar a montagem de uma editora que possa fazer circular a produção
local.
Devo a Luiz Eduardo Magalhães algumas leituras curiosas de
livros sergipanos, como Emblema do Mar Luminoso e Dnoksuá, de Manoel Rodrigues
Mariu, e Como e Porque restaurar as finanças da Nação, de Abraão Prado. E,
agora, Ioiô Pequeno da Várzea Nova, de Mario Leônidas Casanova. (São Paulo:
Clube do Livro, 1979).
Ioiô Pequeno da Várzea Nova é um livro interessante, narrado
na primeira pessoa, como se o autor incorporasse a vida e as lembranças do seu
personagem – Agelisao Baptista Martins Soares -, o Ioiô Pequeno, filho do
advogado e poeta José Leandro Martins Soares, nascido em Pacatuba, colega de
turma de Tobias Barreto na Faculdade de Direito do Recife e companheiro de
redação de José Jorge de Siqueira Filho, e do próprio Tobias Barreto em
pequenos jornais recifenses, como O Vesúvio, editado em 1869. José Leandro
Martins Soares dedicou-se, principalmente, a advocacia, em Aracaju e nas
principais cidades do baixo São Francisco. Nascido no engenho Cadoz, em
Pacatuba, em 5 de março de 1836, já formado fixou residência em Neópolis, então
Vila Nova, de onde fez pequenas incursões, levado pela família, a outros
lugares, morrendo em Aracaju em 4 de setembro de 1902. Nos anos 1880 e 1881
José Leandro Martins Soares foi vice-presidente da Província e exerceu, por pouco
tempo, a presidência de Sergipe.
Ioiô Pequeno se tornou, no baixo São Francisco, um homem do
povo, com suas tiradas, suas ações, seu apego à família, sua prodigiosa
memória. Ao tomar Ioiô Pequeno como personagem Mario Leônidas Casanova retratou
a saga de uma família sergipana, enraizada no interior, e ramificada em vários
lugares do Brasil. Tarefa difícil, porque baseada na memória corrente entre
familiares, sintetizados numa única figura, ponte entre o passado de engenhos,
fazendas, relações políticas e sociais, e os novos tempos, as perdas, saudades,
constatações da velhice solitária. Um livro germinal, nuclear, que dispensa
enquadramentos. Bem feito, tecnicamente correto, apesar dos cuidados requeridos
pela narração onisciente, Ioiô Pequeno da Várzea Nova é bem o que pode ser
chamado de um livro sergipano. Personagens, cenários, fatos, que cobrem
aproximadamente 50 anos de memórias, fazem do livro uma obra literária, cuja
leitura garante enorme prazer. É o tipo do livro que deveria ser lido em voz
alta, um por um os seus 98 pequenos capítulos, como um exercício de
sergipanidade. Ioiô Pequeno é uma espécie de personagem plural, portador de
memórias e saberes, desses que as literaturas consagram em todo o mundo, porque
guardam parentesco ideológico, como portadores de estórias, experiências,
valores, antes dos vínculos biológicos que marcam, a menor, as famílias.
Guimarães Rosa, com sua literatura de ficção, parece ter
feito o mais completo repertório da vida do interior brasileiro, cenarizado em
Minas Gerais. Mario Leônidas Casanova seguiu a mesma trilha do grande sertão,
dando ao baixo São Francisco a dimensão exata de sua vida social. Muitos
conversadores das noites luarejadas, como Lió, de Neópolis, Desidério de
Oliveira, de Cedro de São João, tiveram sempre, nos seus guardados, a seiva que
encanta, distrai e chancela o modo de viver de grupos de sergipanos, beiradeiros
de águas tão constantes, como as virtudes do isolamento. Assim Ioiô Pequeno da
Várzea Nova, com suas estórias cumulativas, de nunca acabar.
Fonte "Pesquise - Pesquisa de Sergipe/InfoNet.
institutotobiasbarreto@infonet.com.br.
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Texto e imagens reproduzidos do site:
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