Publicado originalmente no site O Barato de Lá, em 9 de Novembro de 2014
The Baggios: Rock Sergipano para Todo o Brasil.
Por Laino Gois.
Na semana passada, um pouquinho de Sergipe chegou a outros
cantos do Brasil através do som da banda The Baggios. Após passarem por várias
cidades nos estados de Goiás, Minas Gerais, Espirito Santo, Rio de Janeiro, São
Paulo, Paraná e Distrito Federal entre julho e setembro deste ano, a banda caiu
na estrada novamente para levar a turnê “10 Anos” para diversas cidades do
nordeste e centro-oeste.
Colecionando criticas positivas de seus álbuns e dos shows
que vem realizando em sua turnê nacional, a banda formada na cidade histórica
de São Cristóvão, aqui em Sergipe, já lançou 3 EPs e 2 álbuns ao longo dos seus
10 anos de carreira. A The Baggios vem sendo tratada pela mídia como um dos
principais grupos da cena independente, recebendo importantes críticas
nacionais e internacionais, como a do jornal “O Globo” e a do inglês “The
Guardian”. O duo, formado por guitarra e bateria, explora em suas músicas desde
o blues primitivo ao rock n roll, sem abrir mão das influências regionais de
Sergipe, do sotaque forte e das letras enraizadas nas histórias de sua gente.
Antes que Júlio Andrade e Gabriel Carvalho, integrantes da
The Baggios, embarcassem nessa nova tour, a equipe do Barato de Lá os encontrou
para um papo especial sobre a banda, curiosidades e as histórias interessantes
dos shows fora de Sergipe. O cenário escolhido para essa entrevista não poderia
ser outro: São Cristóvão, a 4º cidade mais antiga do Brasil, com seu belíssimo
conjunto arquitetônico e seu clima de cidade de interior. Confira a seguir o
que rolou no encontro do Barato com a Baggios:
O Barato de Lá: Para começar, queremos saber: qual é a
essência da The Baggios?
Júlio Andrade: “Acho que a nossa essência é a soma de
estilos musicais norte americanos, como o blues e o rock), com essa identidade
de nossa raiz mesmo. A gente tenta, dentro das nossas influências, colocar a
nossa essência, um algo a mais, um ritmo extra. Estamos sempre procurando se
desapegar do rock – não do ritmo em si, mas das barreiras de dizer que rock é
isso ou aquilo e pronto. Estudamos outras possibilidades de sons nos nossos
arranjos e, inclusive, já usamos um pouco do forró e das batidas afros. Aqui em
São Cristóvão, por exemplo, tem uma dança típica chamada Caceteira que eu venho
há algum tempo estudando o ritmo para descobrir maneiras de encaixá-lo nas
músicas. Mas, apesar dessas tentativas, não queremos que a Baggios soe tão
regional. Queremos que ela tenha o peso e a atitude do rock, mas sem deixar de
agregar essa essência do ritmo local.”
Julico, guitarrista da The Baggios
O Barato de Lá: Como se deu o processo de apresentar Sergipe
através do rock?
Júlio Andrade: “Aconteceu naturalmente. Sergipe aparece
quando compomos as músicas e, principalmente, quando escrevo as letras, pois me
inspiro muito em São Cristóvão, cidade onde moro. Cresci ouvindo as histórias e
acabei conhecendo muitos dos seus personagens. Então, quando vou compor, acabo
me inspirando muito nelas, no cotidiano e na realidade da minha cidade, que
reflete um pouco do que acontece em muitas outras do interior de Sergipe. Cada
uma delas deve ter grandes personagens como Baggios, Leões e Zorrões, que nos
inspiraram a compor e escrever músicas em suas homenagens. Além disso, o meu
sotaque também marca a presença de Sergipe na nossa música. Penso que, como
moro aqui, não tem por que falar de outra maneira se não for com o sotaque
daqui, já que bandas de outros cantos do país cantam com os seus próprios
sotaques. É legal assumir o que se é. É ser transparente e aceitar a sua
identidade.”
O Barato de Lá: E além da essência do rock, o que mais
influencia o som de vocês?
Júlio Andrade: “Podemos dizer que as nossas maiores influências
são nacionais e nordestinas mesmo. Alceu Valença, Raul Seixas e Tom Zé são os
artistas que eu mais escuto. São a minha fonte de inspiraração, assim como
Jorge Ben e Tim Maia – sons que não são muito óbvios nas nossas músicas, mas
que nos inspiram muito.”
Gabriel Carvalho: “Já faz algum tempo que estamos tentando
nos inspirar muito mais na música brasileira do que na música norte americana
para fazer o nosso som. Sinto que esse caminho que tomamos, essa mistura de
coisas, é parte da história do rock brasileiro. Os Mutantes se influenciaram
pelos Beatles e misturaram muitos do Brasil ao som deles com o samba, o forró e
os batuques, por exemplo.”
O Barato de Lá: É, a gente consegue perceber essa mistura em
muitas músicas de vocês. E a proposta de escrever sobre os personagens icônicos
de São Cristóvão, surgiu como?
Júlio Andrade: “Bom, eu nunca fui muito romântico ou poeta,
de escrever coisas difíceis. Sempre busquei escrever contos, coisas simples que
fossem fáceis de digerir. Como cresci em um ambiente cheio de histórias, acabo
explorando bastante o meu próprio universo – o que acaba sendo bem legal, já
que as pessoas ficam bastante curiosas para saber quem são os personagens, o
porque da letra de ‘Salomé Me Disse’, o porque de Baggio e tal.”
São Cristóvão: inspiração para a banda
O Barato de Lá: E qual a história real de cada um deles?
Júlio Andrade: “Leão é um figura que eu e meus amigos
tínhamos muito medo, quando moleques. Ouviamos uma história de que ele tinha
matado a mulher, ficado louco e virado andarilho. Ia de cidade em cidade,
passou por Boquim e Estância, morou aqui em São Cristóvão e acabou virando
inspiração para a musica “Esturra Leão”. Zorrão era um cara alcoólatra que
morava aqui na região, tinha família mas vivia nas ruas. Ele ficava
cantarolando pelas esquinas e acabou me inspirando a escrever a música “Um Rock
pra Zorrão”, que também fala um pouco de Baggio – o grande figura que inspirou
o nome da banda. Ele era um pescador que vinha de uma família pobre, mas também
tinha o sonho de ser uma estrela da música. Faz 2 anos que ele faleceu, mas
felizmente teve tempo de curtir muito a banda. Lembro que sempre guardava os
jornais quando saia matéria nossa. Quando eu era guri, achava curioso as
pessoas terem medo de Baggio. Ele era taxado de louco e eu ficava tentando
imaginar o que passava na vida daquele homem – e o que ele havia feito. Cresci
e tive a oportunidade de conhecê-lo, ouvir várias das histórias e ficar
encantado com a vida dele. Eu pensava ‘Pô, o cara pegou um trem, foi pra não
sei pra onde, vivia de pedreiro, mas à noite tocava em bar. Ainda foi na cara e
na coragem pra São Paulo’.”
O Barato de Lá: Então Baggio foi uma grande inspiração para
as aventuras musicais da banda?
Júlio Andrade: “De certa forma sim! Ele me contou várias
histórias de aventuras que fez por conta da música, coisas que hoje em dia a
gente faz de uma maneira mais garantida. Já conseguimos ter um respeito maior
das pessoas e até fazer shows com público garantido em outras cidades. Na época
de Baggio, a onda era meter as caras, ir até o local e ver o que acontecia. Ele
acabou sofrendo um pouco: foi roubado, voltou pra casa com a roupa do corpo e
ficou muito frustrado. Dizem que por conta disso tudo ele passou a ter um
comportamento mais louco.”
Gabriel Carvalho: Hoje também a internet nos ajuda muito a
esquematizar e fazer contato com pessoas de outros lugares. Na época de Baggio,
só tinha os Correios – e ele mal usava.
Júlio Andrade: “Na biografia de Marcos Cavalera, do
Sepultura, ele comenta que trocava várias cartas com bandas gringas, mandava
fita DEMO, camiseta da banda e, 1 ano depois, ele via fotos dos artistas
gringos nas revistas com a camiseta que ele envios. As notícias demoravam pra
caramba pra chegar. Ele recebia respostas das cartas 6 meses depois de ter
enviado. A internet deixou tudo isso mais fácil.”
O duo na Praça São Francisco
O Barato de Lá: O processo de criação e composição da banda
mudou ao longo desses 10 anos?
Júlio Andrade: “Sim. No inicio, a Baggios cantava somente
música em inglês, com uma pegada bem diferente de hoje. Tinha um estilo meio
garage rock com blues. Eu estava me descobrindo como guitarrista e compositor,
então sentia mais facilidade em compor músicas em inglês, apesar de não dominar
muito o idioma (risos). Em 2005 eu comecei a compor em português, mas senti
bastante dificuldade por que sempre fui muito tímido.”Todo mundo vai entender o
que vou cantar” eu pensava (risos). O inglês acabou criando um certo escudo nas
letras lá no início. Depois, insistindo no português, percebi o quão difícil
era compor. Lembro que umas das primeiras músicas que escrevi foi “O Azar me
Consome”. A letra é bem simples mas leva uma certa mensagem. Com o passar do
tempo, a gente foi evoluindo.”
O Barato de Lá: Como vocês buscaram essa evolução? Foi
natural ou vocês se guiam por certos caminhos?
Júlio Andrade: “A cada trabalho a gente tenta se reinventar,
buscar outras influencias. Não faz sentido a gente ficar se repetindo. Eu
ficaria muito entediado em criar sempre coisas parecidas com os álbuns
anteriores. Então, estamos sempre buscando coisas novas, escutando e pesquisando
músicas diferentes: baixamos discos, ouvimos músicas cotidianas, brasileiras,
gringas, antigas e por aí vamos nos inspirando.”
Gabriel Carvalho: “As experiências do dia-a-dia, como
conhecer bandas, pessoas e trocar novas idéias, nos fazem melhorar também.
Tocar com outras bandas, por exemplo, gera um acúmulo de referências e acaba
influenciando no resultado final do som. É um processo natural de vivências, a
gente acaba levando tudo isso para a nossa música.”
O Barato de Lá: Então as viagens devem ser bem produtivas
para a composição de novas músicas, certo?
Júlio Andrade: “Sempre acaba surgindo alguma coisa.
Compositor não tem hora para inspiração (risos). As vezes surge, a gente anota,
grava e guarda pra utilizar em algum momento. Meu celular é cheio de rascunhos
de músicas (risos). Eu vivo olhando as gravações no celular e redescubrindo uns
experimentos. Tem coisas que gravamos há 6 meses, que nem lembrávamos, e
acabamos usando para completar alguma outra composição. É legal isso.”
Gabriel Carvalho: “Na turnê o convívio é mais direto, então
acho que facilita. Se Julico começar a compor uma música nova, eu já vou estar
ao lado pra compartilhar da criação. As vezes, nas passagens de som, surgem
alguns arranjos legais no improviso. Aí a gente grava pra ver se aproveita
depois.”
Datas da turnê "10 Anos" da The Baggios
O Barato de Lá: E qual é a reação das pessoas ao ver a The
Baggios tocar?
Júlio Andrade: “Sinto que elas ficam surpresas com o formato
da banda. Muita gente que não conhece, ou que nunca foi a um show nosso e só
ouviu as gravações, tem curiosidade de saber como aqueles arranjos caprichados
do CD funcionam no palco, ao vivo. Nas turnês, graças a Deus, as reações tem
sido muito positivas. É demais quando, depois das apresentações, as pessoas nos
parabenizam, compram as camisetas e os CDs porque gostaram do som. Nessa última
turnê aconteceu muito isso, tanto que foi a primeira vez que tivemos lucro com
os souvenirs da banda.”
Gabriel Carvalho: “A gente faz questão de sempre ter esse
material pro nome da banda poder rodar por aí. Inclusive, no Rio de Janeiro, as
camisetas acabaram e tivemos que mandar fazer uma leva nova de última hora.
Gostamos do leão de três olhos que fazia parte do cartaz do show e aí, como
estávamos sem uma arte da banda, o ilustrador autorizou que fizéssemos as
camisetas com a arte dele.”
O Barato de Lá: Que legal! Então o retorno tem sido bem
positiva para a Baggios, certo?
Júlio Andrade: “Sim, ainda bem! (risos). A gente fez um show
com a Couttoorchestra no Centro Cultural de São Paulo e, no dia seguinte, fomos
numa festa. Muita gente nos parou para comentar que havia adorado o show e tal.
Imagine estar numa cidade gigante como São Paulo e as pessoas te reconhecerem
assim no meio de tanta informação. Isso foi uma surpresa massa pra gente! A
gente ficou muito de cara: “Oxente vellho!!” (risos). Isso era uma coisa muito
Aracaju para nós. Gabriel até brincou dizendo que “ou a gente é muito feio ou a
gente tocou muito”. A gente vem percebendo que o pessoal, inclusive outros
músicos de bandas grandes, já nos conhece. No meio da turnê, a gente acabou
conhecendo os caras da Cachorro Grande e descobrindo que eles gostam da banda
há muito tempo. Isso é legal e a gente precisa estar lá para saber o que acontece,
pra fazer contatos, divulgar o som e ter esse tipo de retorno.”
O Barato de Lá: É essa a grande importância das turnês para
as bandas independentes?
Júlio Andrade: “É sim. Quanto mais a gente circula, mais
público a gente forma e mais os produtores ficam seguros em nos contratar. Na
semana que a gente ficou relax em São Paulo, por exemplo, nós conhecemos muitas
pessoas e fomos a festas da revista Rolling Stone, da Skol e acabamos fazendo
muitos contatos.”
Gabriel Carvalho: “Se você quer viver de música, você tem
que fazer shows e tocar em outros lugares para criar um público. Nenhuma banda
se sustenta vendendo CDs, camisetas ou fazendo shows em uma mesma cidade, seja
ela qual for. É muito difícil por que, primeiro, você tem que ficar no 0 a 0
pra depois começar a receber. Lembro que a primeira turnê a gente tirou do
bolso. Hoje já temos conseguido receber melhor e até tirar um pouco da grana
para gravar os discos, clipes e investir em novas turnês.”
Gabriel Carvalho, baterista da Baggios
O Barato de Lá: Rola uma parceria entre as bandas sergipanas
que vão pra fora do estado? Qual é a importância desse movimento?
Gabriel Carvalho: “Rola um lance natural porque só cresce se
for junto mesmo. Além de sermos todos muito amigos, é muito importante levarmos
o nome das outras bandas do estado para os lugares que conseguimos tocar. O
ideal é crescer todo o cenário da música sergipana, mostrar o que rola de som
por aqui. Uma acaba levando o nome da outra mesmo.”
Júlio Andrade: “É inevitável citar porque as bandas são de
amigos nossos. Todo mundo está ali convivendo, sabe quem rala e quem está indo
atrás. Então, sempre que podemos, quando tem tempo na entrevista, por exemplo,
a gente fala mesmo. As pessoas ficam curiosas para saber o que acontece na cena
sergipana – e muitos produtores também perguntam sobre as bandas daqui.”
O Barato de Lá: Júlio, nós queremos saber: qual o barato de
Sergipe na sua opinião?
Júlio Andrade: “Sergipe é um estado que muitas pessoas
gostam de viver por causa da qualidade de vida. Aqui é mais tranquilo, os
custos são menores e ainda tem as belezas naturais. Acho que o barato de
Sergipe é ser sergipano “mermo” (reforçando o sotaque), assumir o que se é.
Somos um povo acolhedor.”
O Barato de Lá: Indique um lugar que você curte aqui em
Sergipe. Só não vale dizer São Cristóvão (risos)!
Júlio Andrade: “São Cristóvão dá pra ser explorada em um dia
(risos). Aqui tem o monumento do Cristo Redentor situado na Colina de São
Gonçalo, que é um lugar que até inspirou a música Morro da Saudade. Dá pra ver
a cidade lá de cima e curtir um por do sol fantástico. Além disso, tem os
museus, igrejas e praças que pertencem ao patrimônio histórico da humanidade.
Gosto muito de Xingó, da praia do Saco e do Museu da Gente Sergipana também
(risos).”
O Barato de Lá: E pra você Gabriel, qual é o barato de
Sergipe? O que você curte quando está por aqui?
Gabriel Carvalho: “Acho que é todo o conjunto. Aqui em
Sergipe as coisas são perto, é fácil se locomover de um canto a outro. Tem um
lance muito massa que eu só consigo fazer em Aracaju: quase todo dia visito um
amigo diferente, saio de bicicleta, encontro um e outro, tiro um som e tal.
Tudo é muito perto e todo mundo se conhece. É massa esse lance da proximidade.
Quando estou aqui, gosto muito de ir na Curva do Rio (rio Poxim). É um lugar
bem curioso por que fica perto da cidade, na região conhecida como Matapuã, mas
que dá a sensação de estar longe de tudo. Lá é massa: dá pra relaxar, tomar um
banho de rio, levar o violão e curtir até umas horas.”
Júlio e Gabriel são a The Baggios
UM POUCO SOBRE OS INTEGRANTES DA THE BAGGIOS
Júlio Andrade
Autodidata e influenciado por Jimi hendrix, Johnny Winter,
Alvin Lee e Jimi Page, Júlio Andrade toca guitarra há 11 anos. Fundador e
compositor da The Baggios, usa uma técnica própria para escrever, compor suas
músicas e produzir todos os álbuns da banda. Além de músico, produziu também o
documentário “Baggio Sedado” e atua na cena audiovisual editando vídeo clipes
de bandas sergipanas. É o responsável por grande parte do material gráfico dos
shows da The Baggios e de outras bandas em Aracaju.
Gabriel Carvalho
Membro da banda desde 2008, Gabriel é baterista há 10 anos e
estudou em escolas de música em Aracaju. Estudante do curso de Licenciatura em
Música na UFS (Universidade Federal de Sergipe), já tocou percussão erudita
durante 3 anos e meio na OSUFS (Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de
Sergipe). Atualmente, entre um show e outro, Gabriel dá aulas particulares de
bateria e ainda participa de alguns projetos paralelos, como o da banda Seu
Montanha e Skabong.
Texto e imagem reproduzidos do site: obaratodela.com.br
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