sexta-feira, 21 de abril de 2017

The Baggios: Rock Sergipano para Todo o Brasil


Publicado originalmente no site O Barato de Lá, em 9 de Novembro de 2014

The Baggios: Rock Sergipano para Todo o Brasil. 
Por Laino Gois.

Na semana passada, um pouquinho de Sergipe chegou a outros cantos do Brasil através do som da banda The Baggios. Após passarem por várias cidades nos estados de Goiás, Minas Gerais, Espirito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Distrito Federal entre julho e setembro deste ano, a banda caiu na estrada novamente para levar a turnê “10 Anos” para diversas cidades do nordeste e centro-oeste.

Colecionando criticas positivas de seus álbuns e dos shows que vem realizando em sua turnê nacional, a banda formada na cidade histórica de São Cristóvão, aqui em Sergipe, já lançou 3 EPs e 2 álbuns ao longo dos seus 10 anos de carreira. A The Baggios vem sendo tratada pela mídia como um dos principais grupos da cena independente, recebendo importantes críticas nacionais e internacionais, como a do jornal “O Globo” e a do inglês “The Guardian”. O duo, formado por guitarra e bateria, explora em suas músicas desde o blues primitivo ao rock n roll, sem abrir mão das influências regionais de Sergipe, do sotaque forte e das letras enraizadas nas histórias de sua gente.

Antes que Júlio Andrade e Gabriel Carvalho, integrantes da The Baggios, embarcassem nessa nova tour, a equipe do Barato de Lá os encontrou para um papo especial sobre a banda, curiosidades e as histórias interessantes dos shows fora de Sergipe. O cenário escolhido para essa entrevista não poderia ser outro: São Cristóvão, a 4º cidade mais antiga do Brasil, com seu belíssimo conjunto arquitetônico e seu clima de cidade de interior. Confira a seguir o que rolou no encontro do Barato com a Baggios:

O Barato de Lá: Para começar, queremos saber: qual é a essência da The Baggios?

Júlio Andrade: “Acho que a nossa essência é a soma de estilos musicais norte americanos, como o blues e o rock), com essa identidade de nossa raiz mesmo. A gente tenta, dentro das nossas influências, colocar a nossa essência, um algo a mais, um ritmo extra. Estamos sempre procurando se desapegar do rock – não do ritmo em si, mas das barreiras de dizer que rock é isso ou aquilo e pronto. Estudamos outras possibilidades de sons nos nossos arranjos e, inclusive, já usamos um pouco do forró e das batidas afros. Aqui em São Cristóvão, por exemplo, tem uma dança típica chamada Caceteira que eu venho há algum tempo estudando o ritmo para descobrir maneiras de encaixá-lo nas músicas. Mas, apesar dessas tentativas, não queremos que a Baggios soe tão regional. Queremos que ela tenha o peso e a atitude do rock, mas sem deixar de agregar essa essência do ritmo local.”

Julico, guitarrista da The Baggios

O Barato de Lá: Como se deu o processo de apresentar Sergipe através do rock?

Júlio Andrade: “Aconteceu naturalmente. Sergipe aparece quando compomos as músicas e, principalmente, quando escrevo as letras, pois me inspiro muito em São Cristóvão, cidade onde moro. Cresci ouvindo as histórias e acabei conhecendo muitos dos seus personagens. Então, quando vou compor, acabo me inspirando muito nelas, no cotidiano e na realidade da minha cidade, que reflete um pouco do que acontece em muitas outras do interior de Sergipe. Cada uma delas deve ter grandes personagens como Baggios, Leões e Zorrões, que nos inspiraram a compor e escrever músicas em suas homenagens. Além disso, o meu sotaque também marca a presença de Sergipe na nossa música. Penso que, como moro aqui, não tem por que falar de outra maneira se não for com o sotaque daqui, já que bandas de outros cantos do país cantam com os seus próprios sotaques. É legal assumir o que se é. É ser transparente e aceitar a sua identidade.”

O Barato de Lá: E além da essência do rock, o que mais influencia o som de vocês?

Júlio Andrade: “Podemos dizer que as nossas maiores influências são nacionais e nordestinas mesmo. Alceu Valença, Raul Seixas e Tom Zé são os artistas que eu mais escuto. São a minha fonte de inspiraração, assim como Jorge Ben e Tim Maia – sons que não são muito óbvios nas nossas músicas, mas que nos inspiram muito.”

Gabriel Carvalho: “Já faz algum tempo que estamos tentando nos inspirar muito mais na música brasileira do que na música norte americana para fazer o nosso som. Sinto que esse caminho que tomamos, essa mistura de coisas, é parte da história do rock brasileiro. Os Mutantes se influenciaram pelos Beatles e misturaram muitos do Brasil ao som deles com o samba, o forró e os batuques, por exemplo.”


O Barato de Lá: É, a gente consegue perceber essa mistura em muitas músicas de vocês. E a proposta de escrever sobre os personagens icônicos de São Cristóvão, surgiu como?

Júlio Andrade: “Bom, eu nunca fui muito romântico ou poeta, de escrever coisas difíceis. Sempre busquei escrever contos, coisas simples que fossem fáceis de digerir. Como cresci em um ambiente cheio de histórias, acabo explorando bastante o meu próprio universo – o que acaba sendo bem legal, já que as pessoas ficam bastante curiosas para saber quem são os personagens, o porque da letra de ‘Salomé Me Disse’, o porque de Baggio e tal.”

São Cristóvão: inspiração para a banda

O Barato de Lá: E qual a história real de cada um deles?

Júlio Andrade: “Leão é um figura que eu e meus amigos tínhamos muito medo, quando moleques. Ouviamos uma história de que ele tinha matado a mulher, ficado louco e virado andarilho. Ia de cidade em cidade, passou por Boquim e Estância, morou aqui em São Cristóvão e acabou virando inspiração para a musica “Esturra Leão”. Zorrão era um cara alcoólatra que morava aqui na região, tinha família mas vivia nas ruas. Ele ficava cantarolando pelas esquinas e acabou me inspirando a escrever a música “Um Rock pra Zorrão”, que também fala um pouco de Baggio – o grande figura que inspirou o nome da banda. Ele era um pescador que vinha de uma família pobre, mas também tinha o sonho de ser uma estrela da música. Faz 2 anos que ele faleceu, mas felizmente teve tempo de curtir muito a banda. Lembro que sempre guardava os jornais quando saia matéria nossa. Quando eu era guri, achava curioso as pessoas terem medo de Baggio. Ele era taxado de louco e eu ficava tentando imaginar o que passava na vida daquele homem – e o que ele havia feito. Cresci e tive a oportunidade de conhecê-lo, ouvir várias das histórias e ficar encantado com a vida dele. Eu pensava ‘Pô, o cara pegou um trem, foi pra não sei pra onde, vivia de pedreiro, mas à noite tocava em bar. Ainda foi na cara e na coragem pra São Paulo’.”

O Barato de Lá: Então Baggio foi uma grande inspiração para as aventuras musicais da banda?

Júlio Andrade: “De certa forma sim! Ele me contou várias histórias de aventuras que fez por conta da música, coisas que hoje em dia a gente faz de uma maneira mais garantida. Já conseguimos ter um respeito maior das pessoas e até fazer shows com público garantido em outras cidades. Na época de Baggio, a onda era meter as caras, ir até o local e ver o que acontecia. Ele acabou sofrendo um pouco: foi roubado, voltou pra casa com a roupa do corpo e ficou muito frustrado. Dizem que por conta disso tudo ele passou a ter um comportamento mais louco.”

Gabriel Carvalho: Hoje também a internet nos ajuda muito a esquematizar e fazer contato com pessoas de outros lugares. Na época de Baggio, só tinha os Correios – e ele mal usava.

Júlio Andrade: “Na biografia de Marcos Cavalera, do Sepultura, ele comenta que trocava várias cartas com bandas gringas, mandava fita DEMO, camiseta da banda e, 1 ano depois, ele via fotos dos artistas gringos nas revistas com a camiseta que ele envios. As notícias demoravam pra caramba pra chegar. Ele recebia respostas das cartas 6 meses depois de ter enviado. A internet deixou tudo isso mais fácil.”

O duo na Praça São Francisco

O Barato de Lá: O processo de criação e composição da banda mudou ao longo desses 10 anos?

Júlio Andrade: “Sim. No inicio, a Baggios cantava somente música em inglês, com uma pegada bem diferente de hoje. Tinha um estilo meio garage rock com blues. Eu estava me descobrindo como guitarrista e compositor, então sentia mais facilidade em compor músicas em inglês, apesar de não dominar muito o idioma (risos). Em 2005 eu comecei a compor em português, mas senti bastante dificuldade por que sempre fui muito tímido.”Todo mundo vai entender o que vou cantar” eu pensava (risos). O inglês acabou criando um certo escudo nas letras lá no início. Depois, insistindo no português, percebi o quão difícil era compor. Lembro que umas das primeiras músicas que escrevi foi “O Azar me Consome”. A letra é bem simples mas leva uma certa mensagem. Com o passar do tempo, a gente foi evoluindo.”


O Barato de Lá: Como vocês buscaram essa evolução? Foi natural ou vocês se guiam por certos caminhos?

Júlio Andrade: “A cada trabalho a gente tenta se reinventar, buscar outras influencias. Não faz sentido a gente ficar se repetindo. Eu ficaria muito entediado em criar sempre coisas parecidas com os álbuns anteriores. Então, estamos sempre buscando coisas novas, escutando e pesquisando músicas diferentes: baixamos discos, ouvimos músicas cotidianas, brasileiras, gringas, antigas e por aí vamos nos inspirando.”

Gabriel Carvalho: “As experiências do dia-a-dia, como conhecer bandas, pessoas e trocar novas idéias, nos fazem melhorar também. Tocar com outras bandas, por exemplo, gera um acúmulo de referências e acaba influenciando no resultado final do som. É um processo natural de vivências, a gente acaba levando tudo isso para a nossa música.”

O Barato de Lá: Então as viagens devem ser bem produtivas para a composição de novas músicas, certo?

Júlio Andrade: “Sempre acaba surgindo alguma coisa. Compositor não tem hora para inspiração (risos). As vezes surge, a gente anota, grava e guarda pra utilizar em algum momento. Meu celular é cheio de rascunhos de músicas (risos). Eu vivo olhando as gravações no celular e redescubrindo uns experimentos. Tem coisas que gravamos há 6 meses, que nem lembrávamos, e acabamos usando para completar alguma outra composição. É legal isso.”

Gabriel Carvalho: “Na turnê o convívio é mais direto, então acho que facilita. Se Julico começar a compor uma música nova, eu já vou estar ao lado pra compartilhar da criação. As vezes, nas passagens de som, surgem alguns arranjos legais no improviso. Aí a gente grava pra ver se aproveita depois.”

Datas da turnê "10 Anos" da The Baggios


O Barato de Lá: E qual é a reação das pessoas ao ver a The Baggios tocar?

Júlio Andrade: “Sinto que elas ficam surpresas com o formato da banda. Muita gente que não conhece, ou que nunca foi a um show nosso e só ouviu as gravações, tem curiosidade de saber como aqueles arranjos caprichados do CD funcionam no palco, ao vivo. Nas turnês, graças a Deus, as reações tem sido muito positivas. É demais quando, depois das apresentações, as pessoas nos parabenizam, compram as camisetas e os CDs porque gostaram do som. Nessa última turnê aconteceu muito isso, tanto que foi a primeira vez que tivemos lucro com os souvenirs da banda.”

Gabriel Carvalho: “A gente faz questão de sempre ter esse material pro nome da banda poder rodar por aí. Inclusive, no Rio de Janeiro, as camisetas acabaram e tivemos que mandar fazer uma leva nova de última hora. Gostamos do leão de três olhos que fazia parte do cartaz do show e aí, como estávamos sem uma arte da banda, o ilustrador autorizou que fizéssemos as camisetas com a arte dele.”

O Barato de Lá: Que legal! Então o retorno tem sido bem positiva para a Baggios, certo?

Júlio Andrade: “Sim, ainda bem! (risos). A gente fez um show com a Couttoorchestra no Centro Cultural de São Paulo e, no dia seguinte, fomos numa festa. Muita gente nos parou para comentar que havia adorado o show e tal. Imagine estar numa cidade gigante como São Paulo e as pessoas te reconhecerem assim no meio de tanta informação. Isso foi uma surpresa massa pra gente! A gente ficou muito de cara: “Oxente vellho!!” (risos). Isso era uma coisa muito Aracaju para nós. Gabriel até brincou dizendo que “ou a gente é muito feio ou a gente tocou muito”. A gente vem percebendo que o pessoal, inclusive outros músicos de bandas grandes, já nos conhece. No meio da turnê, a gente acabou conhecendo os caras da Cachorro Grande e descobrindo que eles gostam da banda há muito tempo. Isso é legal e a gente precisa estar lá para saber o que acontece, pra fazer contatos, divulgar o som e ter esse tipo de retorno.”


O Barato de Lá: É essa a grande importância das turnês para as bandas independentes?

Júlio Andrade: “É sim. Quanto mais a gente circula, mais público a gente forma e mais os produtores ficam seguros em nos contratar. Na semana que a gente ficou relax em São Paulo, por exemplo, nós conhecemos muitas pessoas e fomos a festas da revista Rolling Stone, da Skol e acabamos fazendo muitos contatos.”

Gabriel Carvalho: “Se você quer viver de música, você tem que fazer shows e tocar em outros lugares para criar um público. Nenhuma banda se sustenta vendendo CDs, camisetas ou fazendo shows em uma mesma cidade, seja ela qual for. É muito difícil por que, primeiro, você tem que ficar no 0 a 0 pra depois começar a receber. Lembro que a primeira turnê a gente tirou do bolso. Hoje já temos conseguido receber melhor e até tirar um pouco da grana para gravar os discos, clipes e investir em novas turnês.”

Gabriel Carvalho, baterista da Baggios

O Barato de Lá: Rola uma parceria entre as bandas sergipanas que vão pra fora do estado? Qual é a importância desse movimento?

Gabriel Carvalho: “Rola um lance natural porque só cresce se for junto mesmo. Além de sermos todos muito amigos, é muito importante levarmos o nome das outras bandas do estado para os lugares que conseguimos tocar. O ideal é crescer todo o cenário da música sergipana, mostrar o que rola de som por aqui. Uma acaba levando o nome da outra mesmo.”

Júlio Andrade: “É inevitável citar porque as bandas são de amigos nossos. Todo mundo está ali convivendo, sabe quem rala e quem está indo atrás. Então, sempre que podemos, quando tem tempo na entrevista, por exemplo, a gente fala mesmo. As pessoas ficam curiosas para saber o que acontece na cena sergipana – e muitos produtores também perguntam sobre as bandas daqui.”

O Barato de Lá: Júlio, nós queremos saber: qual o barato de Sergipe na sua opinião?

Júlio Andrade: “Sergipe é um estado que muitas pessoas gostam de viver por causa da qualidade de vida. Aqui é mais tranquilo, os custos são menores e ainda tem as belezas naturais. Acho que o barato de Sergipe é ser sergipano “mermo” (reforçando o sotaque), assumir o que se é. Somos um povo acolhedor.”

O Barato de Lá: Indique um lugar que você curte aqui em Sergipe. Só não vale dizer São Cristóvão (risos)!

Júlio Andrade: “São Cristóvão dá pra ser explorada em um dia (risos). Aqui tem o monumento do Cristo Redentor situado na Colina de São Gonçalo, que é um lugar que até inspirou a música Morro da Saudade. Dá pra ver a cidade lá de cima e curtir um por do sol fantástico. Além disso, tem os museus, igrejas e praças que pertencem ao patrimônio histórico da humanidade. Gosto muito de Xingó, da praia do Saco e do Museu da Gente Sergipana também (risos).”

O Barato de Lá: E pra você Gabriel, qual é o barato de Sergipe? O que você curte quando está por aqui?

Gabriel Carvalho: “Acho que é todo o conjunto. Aqui em Sergipe as coisas são perto, é fácil se locomover de um canto a outro. Tem um lance muito massa que eu só consigo fazer em Aracaju: quase todo dia visito um amigo diferente, saio de bicicleta, encontro um e outro, tiro um som e tal. Tudo é muito perto e todo mundo se conhece. É massa esse lance da proximidade. Quando estou aqui, gosto muito de ir na Curva do Rio (rio Poxim). É um lugar bem curioso por que fica perto da cidade, na região conhecida como Matapuã, mas que dá a sensação de estar longe de tudo. Lá é massa: dá pra relaxar, tomar um banho de rio, levar o violão e curtir até umas horas.”

Júlio e Gabriel são a The Baggios

UM POUCO SOBRE OS INTEGRANTES DA THE BAGGIOS

Júlio Andrade
Autodidata e influenciado por Jimi hendrix, Johnny Winter, Alvin Lee e Jimi Page, Júlio Andrade toca guitarra há 11 anos. Fundador e compositor da The Baggios, usa uma técnica própria para escrever, compor suas músicas e produzir todos os álbuns da banda. Além de músico, produziu também o documentário “Baggio Sedado” e atua na cena audiovisual editando vídeo clipes de bandas sergipanas. É o responsável por grande parte do material gráfico dos shows da The Baggios e de outras bandas em Aracaju.

Gabriel Carvalho
Membro da banda desde 2008, Gabriel é baterista há 10 anos e estudou em escolas de música em Aracaju. Estudante do curso de Licenciatura em Música na UFS (Universidade Federal de Sergipe), já tocou percussão erudita durante 3 anos e meio na OSUFS (Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Sergipe). Atualmente, entre um show e outro, Gabriel dá aulas particulares de bateria e ainda participa de alguns projetos paralelos, como o da banda Seu Montanha e Skabong.

Texto e imagem reproduzidos do site: obaratodela.com.br

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