sexta-feira, 21 de abril de 2017

“Ninguém canta o hino de Sergipe. É preciso mudar”





Publicado originalmente no site JL Política, em 15 de abril de 2017.

“Ninguém canta o hino de Sergipe. É preciso mudar”
Por Jozailto Lima

Uchoa: “Eu canto os pedaços, mas as vezes misturo devido a sua abusiva extensão”
Naquele seu estilo despojado, do alto dos seus 80 anos e com o comprometimento que diz ter com as coisas de Sergipe, o professor Jouberto Uchoa de Mendonça, reitor da Universidade Tiradentes, não faz rodeios e vai direto ao alvo: o hino de Sergipe desmerece o Estado e rebaixa a autoestima sergipana ao rés do chão. “Ninguém o canta”, determina ele.

Fazer o quê, então? Jouberto Uchoa não se perde em arrodeios: deve ser feito um outro hino. Sim. “Minha sugestão é a de que o hino de Sergipe seja transformado em hino do sesquicentenário e, a partir daí, o Governo abra um concurso nacional – não sergipano – para escolher entre os poetas brasileiros e locais as contribuições. Que o melhor escolhido seja premiado inicialmente com R$ 100 mil, pagos através de contribuições de empresas, inclusive da Unit. Ou seja, sem nenhuma despesa para o Estado”, diz ele.

Esta pregação dele lhe rendeu um desafeto, como diria os empolados, sepulcral, vindo da professora e pesquisadora Aglaé Fontes, sua confrade na Academia Sergipana de Letras. Os dois se tornaram inimigos nesta causa. Aglaé prefere ver o cão crivado de guizos a Uchoa falando em mudar letra e música do hino de Sergipe, uma instituição composta em 1836, mas que, convenha-se, é muito ruim.

Tese dela: em hino não se mexe. Visão dele: mexe, e o hino nacional brasileiro já teria passado por três atualizações. Uchoa insiste: “o hino de Sergipe não contribui com a autoestima do sergipano. Os poetas da época quiseram encher de informações para justificar o gesto de grandeza, de homenagear as autoridades de então. Mas isso não acrescentou nada para o Estado e seu hino. Pelo contrário. Afastou das escolas, da família, dos movimentos líricos”, diz o professor.

Jouberto Uchoa, ao lado da esposa, Amélia, e dos filhos Júnior, Marília, Dionísio e Marilda, pilota um dos maiores negócio de educação superior do país. Fundada em 20 de abril de 1962, a Unit faz nesta quinta-feira 55 anos. A partir de Sergipe, abriu tentáculos sobre a Bahia, Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte, e reúne hoje cerca de 48 mil alunos, com 36 mil deles presencialmente e 12 mil a distância. Gera 3,2 mil empregos diretos.

Bem sucedido, dói nele as insinuações de Aglaé Fontes de que estaria usando o seu poderio econômico para travar a guerra da mexida no hino. “Achei uma atitude impensada dela. Não tenho interesse econômico nenhum nisso. Para mim, não virá nenhum benefício, a não ser a realização moral e espiritual de ver que meu Estado vai ser cantado de maneira convincente, com gosto e emoção”, diz. Leia a seguir entrevista com ele.

JLPolítica – Qual o conceito que o senhor tem do hino sergipano?
Jouberto Uchoa de Mendonça – É o pior possível. Eu lamento profundamente que os autores, na época, para agradar ao Governo de então e prestar uma homenagem, fizessem uma letra extensa demais, com erros de melodia e até uma parte de plágio de Rossini, e repetição constante das informações que o hino quer transmitir para os estudiosos. Então, lamentamos profundamente, porque o hino deveria ser algo para ser cantado em todos os ambientes e por todos os sergipanos e brasileiros.

JLPolítica – E o hino sergipano não se canta não?
JUM – O nosso não se canta. Você chega numa solenidade na Assembleia Legislativa, por exemplo, e ninguém o canta. Eu canto sozinho, porque as pessoas não sabem e não se interessam. Aquela sugestão que foi dada e aceita por alguns conselheiros, de que fossem cantadas duas estrofes, é o clássico reconhecimento de que o hino não pode ser cantado. Não serve. Cantar apenas duas estrofes de um hino de 18 estrofes não é possível.

JLPolítica – Quando se compara o hino sergipano, com 18 estrofes, ao brasileiro, com 13, o senhor acha que há um excesso, um exacerbamento de tamanho?
JUM – É exatamente isso que estou dizendo: os poetas da época quiseram encher de informações para justificar o gesto de grandeza, de homenagear as autoridades de então. Mas isso não acrescentou nada para o Estado e seu hino. Pelo contrário. Afastou-o das escolas, da família, dos movimentos líricos. Ninguém canta o hino de Sergipe.

“O nosso (hino) não se canta.
Você chega numa solenidade
na Assembleia Legislativa, por
exemplo,e ninguém canta.
Eu canto sozinho, porque as
pessoas não sabem e não
se interessam”.

JLPolítica – Há quem prefira não mexer e ter um hino que ninguém cante, ou alterá-lo e ter um hino que a sergipanidade acolha e cante?
JUM – Minha sugestão é a de que o hino de Sergipe seja transformado em hino do sesquicentenário e, a partir daí, o Governo abra um concurso nacional – não sergipano – para escolher entre os poetas brasileiros e locais as contribuições. Que o melhor escolhido seja premiado inicialmente com R$ 100 mil, pagos através de contribuições de empresas, inclusive da Unit. Ou seja, sem nenhuma despesa para o Estado.

JLPolítica – Mas professor, a reconfiguração do hino de Sergipe é um problema de Estado, da Academia Sergipana de Letras, do Conselho Estadual de Educação? Afinal, é um problema de quem?
JUM – Temos pessoas que eu respeito e que têm a tese de que hino não se muda. Isso é uma questão de ponto de vista. Não me digladio contra ninguém, simplesmente tenho meu ponto de vista. Este mesmo portal colocou que eu tenho problema com a professora Aglaé Fontes. Isso não existe, sob espécie alguma. Meu relacionamento com ela já tem mais de 50 anos, não tenho nada contra ela e respeito o ponto de vista dela. Mas estou com um documento de 1934, escrito por Amarílio de Albuquerque, da família de Leandro Maciel, onde consta toda a documentação do hino nacional, e lá está confirmado que foi mudado três vezes. E isso não deixou de valorizá-lo.

JLPolítica – Qual é a tese central da professora Aglaé, além de o hino ser imexível?
JUM – É essa de que, por tradição, não se muda. Que hino é intocável. Mas a tradição vai continuar. Ele vai ficar como hino de referência de uma época e teríamos também um hino de hoje, para a juventude cantar, com emoção, e sair das fronteiras de Sergipe.

“Os poetas da época quiseram encher de
informações para justificar o gesto de
grandeza, de homenagear as autoridades
de então. Mas isso não acrescentou nada
para o Estado e seu hino. Pelo contrário.
Afastou das escolas”

JLPolítica – Há quanto tempo se arrasta essa questão de mexer ou não?
JUM – Isso já vem desde há muitos anos e passa pelo Conselho de Cultura, quando alguns conselheiros sugeriram que ele fosse modificado. Alguns apoiaram, outros acharam que não devia mudar. Depois, surgiu aquela possibilidade de cantar apenas as duas estrofes. Ora, se pode cantar só duas estrofes, é porque se reconhece que não é cantável.

JLPolítica – E o que diz a professora Olga Andrade, especialista na área?
JUM – Ela diz que é lamentável que isso aconteça. Inclusive a Olga foi constrangida num evento na Academia e apresentou ao Conselho a posição dela de que o hino criava dificuldade até para ser cantado pelo Coral da Sofise. O exímio professor de música Rivaldo Dantas também disse no Conselho que o hino não pode continuar, porque tem plágio, não combina as notas musicais com a letra. Coisas de especialistas. Então minha posição continua sendo essa: acho que a gente tem que preservar o hino atual de Sergipe como um fato histórico, com outra denominação, e abrir o concurso público. Toda hora eu repito: um concurso nacional, porque vamos ter poetas de todo o País. As escolas de samba do Rio de Janeiro, por exemplo, têm os sambas-enredo feitos por poetas que só têm o primeiro grau, mas que dão o recado. Então, que venha de onde vier, mas que seja escolhido, por uma comissão de alto nível, o melhor.

JLPolítica – O senhor, inclusive, já escreveu um artigo sobre isso, no qual defende alguns temas que poderiam entrar na letra. Quais seriam os valores que deveriam constar do hino?
JUM – Trabalho, cultura, educação, valores morais e sociais. Para que eles cheguem à juventude com informações de que, ao cantar, a pessoa já está praticando, aprendendo esses valores.

JLPolítica – Olhando as 18 estrofes do hino sergipano, o senhor diria que ele trabalha a favor da autoestima sergipana ou a solapa?
JUM – Digo que não contribui com a autoestima do sergipano. Ele só faz contar os fatos da época que acharam importantes. Inclusive, até problemas com a Bahia, que não deviam ser colocados num hino. Temos que botar ali amor, solidariedade, relacionamento. Isso que tem fazer, e não guardar rancor de ninguém.

JLPolítica – Ele é de 1836, a emancipação sergipana em relação à Bahia é de 1820. Ou seja, é de apenas 16 anos depois. O senhor acha que o calor da hora implicou nessa letra assim confusa?
JUM – Os autores se preocuparam em agradar o Governo. As transformações vão acontecendo depois de cada fase. Como isso aconteceu, eles surgiram e trataram de oferecer uma minuta de hino que julgaram que seria importante para a época. Mas acontece que é uma poesia pobre, que não estimula ninguém e não mostra os valores morais e sociais de Sergipe.

JLPolítica – Em 2020, o Estado completa 200 anos de emancipação com relação à Bahia. O senhor acha o momento oportuno?
JUM – Eu acho que o momento oportuno é ontem. Há muito tempo que todos nós sergipanos e as pessoas que defendem a permanência dele não veem nem 5% das pessoas cantando-o em qualquer acontecimento social que se mande cantar o hino de Sergipe.

JLPolítica – O senhor que é um exímio cantador de hinos, seria capaz de lembrar a letra dele de cor?
JUM – Eu canto os pedaços, mas as vezes misturo devido a sua abusiva extensão.

JLPolítica – Por onde deve passar a normatização desse eventual concurso que o senhor defende?
JUM – O governador mandaria a minuta do projeto para a Assembleia Legislativa e, uma vez aprovado, seria aberto o concurso nacional e, depois, retornaria à Assembleia para que o hino resultado disso seja transformado em lei. E essa proposta seria sancionada pelo governador. Eu propus em um acontecimento formal no Palácio Museu, na Praça Fausto Cardoso, com escolas públicas e privadas, bandas de música e toda a sociedade. E esse hino seria transformado em CD, seria tocado nesse dia e quem tivesse interesse poderia levar para casa, e aí seria como aquelas músicas de “iê iê iê” e a pessoa ia querer aprender porque, agora, seria uma música que agrada ao coração.

JLPolítica – Essa proposição de lei não poderia passar por um deputado estadual?
JUM – Apresentei a um deputado, que disse ter interesse. Mas quero ouvir os demais parlamentares e mostrar a eles o valor que tem essa iniciativa.

JLPolítica – A professora Aglaé tem deixado vazar que o senhor está usando a sua importância socioeconômica para mexer no hino. O senhor vê isso na sua pessoa?
JUM – Lamento profundamente, mas reitero que tenho o maior respeito por ela. Quando propusemos que no concurso o Estado daria um prêmio de R$ 100 mil e que nós iríamos buscar as empresas para não onerar o Estado, foi dito por ela que estaríamos usando o poder econômico. Será que eu estaria comprando a consciência das pessoas para aprovar uma coisa que elas não querem? Eu não sou político. Não tenho interesse econômico nenhum nisso. Para mim, não virá nenhum benefício, a não ser a realização moral e espiritual de ver que meu Estado vai ser cantado de maneira convincente, com gosto e emoção. Achei uma atitude impensada dela. Lamento profundamente, mas continuo tendo respeito por ela, porque entendo que ela tem o direito de pensar da maneira como julgar correto.

“Não me digladio contra ninguém,
simplesmente tenho meu ponto de
vista. Meu relacionamento com Aglaé
Fontes já tem mais de 50 anos, não
tenho nada contra ela e respeito o
ponto de vista dela. Mas hino se muda”

JLPolítica – O senhor e ela compartilhariam um sorvete num shopping?
JUM – A qualquer hora que ela queira. Veja, tivemos uma audiência, pois ela me representou ao Ministério Público. Ao me ver, ela disse que eram questões de ponto de vista. E eu respondi que ela não precisava fazer isso. Lá, ela disse que estávamos destruindo um símbolo do Estado e que não era interessante que isso acontecesse. Ela foi acompanhada pelo presidente do Instituto Histórico. Ela, inclusive, denunciou o presidente da Academia Sergipana de Letras, que só fez encaminhar o processo que dei entrada.

JLPolítica – Voltemos a tema: há muita discussão acerca da autoestima da sergipanidade. O senhor acha que o hino contribui para que essa autoestima seja sempre posta em questão?
JUM – E como! Para se ter uma ideia, se você pegar o acontecimento francês, quando toca A Marselheza as pessoas se levantam, se arrepiam, cantam, gritam. Por que? Porque ele levanta as pessoas com o sentimento de grandeza, de orgulho. Elas se sentem representadas. O hino americano tem duas estrofes, mas a emoção é grande quando ele é tocado. O que estamos propondo com o nosso não vai tirar nenhum mérito dele e da sua época. Quem quiser cantá-lo, cante-o. Mas quem quiser uma versão atual, que cause emoção, parta para o novo.

JLPolítica – Um Estado com 196 anos é um “bebê”. O senhor acha que mexer agora é mais pertinente do que deixar para o futuro?
JUM – Quando eu estiver errado, quero consertar hoje. No agora. Na instituição que eu dirijo, digo para todo mundo – do jardineiro ao diretor – que leal para mim é quem diz que estou errado. Porque quem diz apenas que eu sou bom, age com falsidade. Quero que digam o que pensam.

JLPoítitica – Na base do chute, o senhor acha que se fizesse uma pesquisa séria junto aos sergipanos, quanto por cento aprovariam o hino como ele o é?
JUM – Acredito que 10%, e olhe lá. A maioria aprovaria a mudança. E esta pesquisa até pode ser feita, para que as pessoas se manifestem.

JLPolítica – Entre os seus 40 confrades de Academia, quanto por cento topariam essa mudança?
JUM – O problema da Academia é que mais da metade não frequenta. Só temos 8, 10, quando muito, 12, frequentes semanalmente. Acontece que quando apresentei, o presidente teve o cuidado de submeter à apreciação de todos, nomeou uma comissão, que, por sua vez, apresentou um projeto, aprovando. E foi para o plenário, que também aprovou. Foi quando a professora Aglaé declarou que tinha vergonha de fazer parte da Academia por ter aprovado a proposta.

JLPolítica – Sendo reitor de uma instituição de educação superior particular, o senhor acha que a sua postura afasta um pouco os acadêmicos da UFS, por exemplo?
JUM – Não. De jeito nenhum. Isso aí não tem universidade federal ou particular. Isso é uma causa sergipana, e está acima de qualquer justificativa.

JLPolítica – Qual das 18 estrofes o senhor acha mais bonita?

JUM – Só a primeira: “Alegrai-vos, sergipanos,/ Eis que surge a mais bela aurora/ Do áureo jucundo dia/ Que a Sergipe honra e decora”. Apesar do áureo jucundo.

Texto e imagens reproduzidos do site: jlpolitica.com.br/entrevista

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