Publicado originalmente no site JL Política, em 15 de abril de 2017.
“Ninguém canta o hino de Sergipe. É preciso mudar”
Por Jozailto Lima
Uchoa: “Eu canto os pedaços, mas as vezes misturo devido a
sua abusiva extensão”
Naquele seu estilo despojado, do alto dos seus 80 anos e com
o comprometimento que diz ter com as coisas de Sergipe, o professor Jouberto
Uchoa de Mendonça, reitor da Universidade Tiradentes, não faz rodeios e vai
direto ao alvo: o hino de Sergipe desmerece o Estado e rebaixa a autoestima
sergipana ao rés do chão. “Ninguém o canta”, determina ele.
Fazer o quê, então? Jouberto Uchoa não se perde em
arrodeios: deve ser feito um outro hino. Sim. “Minha sugestão é a de que o hino
de Sergipe seja transformado em hino do sesquicentenário e, a partir daí, o
Governo abra um concurso nacional – não sergipano – para escolher entre os
poetas brasileiros e locais as contribuições. Que o melhor escolhido seja
premiado inicialmente com R$ 100 mil, pagos através de contribuições de
empresas, inclusive da Unit. Ou seja, sem nenhuma despesa para o Estado”, diz
ele.
Esta pregação dele lhe rendeu um desafeto, como diria os
empolados, sepulcral, vindo da professora e pesquisadora Aglaé Fontes, sua
confrade na Academia Sergipana de Letras. Os dois se tornaram inimigos nesta
causa. Aglaé prefere ver o cão crivado de guizos a Uchoa falando em mudar letra
e música do hino de Sergipe, uma instituição composta em 1836, mas que,
convenha-se, é muito ruim.
Tese dela: em hino não se mexe. Visão dele: mexe, e o hino
nacional brasileiro já teria passado por três atualizações. Uchoa insiste: “o
hino de Sergipe não contribui com a autoestima do sergipano. Os poetas da época
quiseram encher de informações para justificar o gesto de grandeza, de
homenagear as autoridades de então. Mas isso não acrescentou nada para o Estado
e seu hino. Pelo contrário. Afastou das escolas, da família, dos movimentos
líricos”, diz o professor.
Jouberto Uchoa, ao lado da esposa, Amélia, e dos filhos
Júnior, Marília, Dionísio e Marilda, pilota um dos maiores negócio de educação
superior do país. Fundada em 20 de abril de 1962, a Unit faz nesta quinta-feira
55 anos. A partir de Sergipe, abriu tentáculos sobre a Bahia, Alagoas,
Pernambuco e Rio Grande do Norte, e reúne hoje cerca de 48 mil alunos, com 36
mil deles presencialmente e 12 mil a distância. Gera 3,2 mil empregos diretos.
Bem sucedido, dói nele as insinuações de Aglaé Fontes de que
estaria usando o seu poderio econômico para travar a guerra da mexida no hino.
“Achei uma atitude impensada dela. Não tenho interesse econômico nenhum nisso.
Para mim, não virá nenhum benefício, a não ser a realização moral e espiritual
de ver que meu Estado vai ser cantado de maneira convincente, com gosto e
emoção”, diz. Leia a seguir entrevista com ele.
JLPolítica – Qual o conceito que o senhor tem do hino
sergipano?
Jouberto Uchoa de Mendonça – É o pior possível. Eu lamento
profundamente que os autores, na época, para agradar ao Governo de então e
prestar uma homenagem, fizessem uma letra extensa demais, com erros de melodia
e até uma parte de plágio de Rossini, e repetição constante das informações que
o hino quer transmitir para os estudiosos. Então, lamentamos profundamente,
porque o hino deveria ser algo para ser cantado em todos os ambientes e por
todos os sergipanos e brasileiros.
JLPolítica – E o hino sergipano não se canta não?
JUM – O nosso não se canta. Você chega numa solenidade na
Assembleia Legislativa, por exemplo, e ninguém o canta. Eu canto sozinho,
porque as pessoas não sabem e não se interessam. Aquela sugestão que foi dada e
aceita por alguns conselheiros, de que fossem cantadas duas estrofes, é o
clássico reconhecimento de que o hino não pode ser cantado. Não serve. Cantar
apenas duas estrofes de um hino de 18 estrofes não é possível.
JLPolítica – Quando se compara o hino sergipano, com 18
estrofes, ao brasileiro, com 13, o senhor acha que há um excesso, um
exacerbamento de tamanho?
JUM – É exatamente isso que estou dizendo: os poetas da
época quiseram encher de informações para justificar o gesto de grandeza, de
homenagear as autoridades de então. Mas isso não acrescentou nada para o Estado
e seu hino. Pelo contrário. Afastou-o das escolas, da família, dos movimentos
líricos. Ninguém canta o hino de Sergipe.
“O nosso (hino) não se canta.
Você chega numa solenidade
na Assembleia Legislativa, por
exemplo,e ninguém canta.
Eu canto sozinho, porque as
pessoas não sabem e não
se interessam”.
JLPolítica – Há quem prefira não mexer e ter um hino que
ninguém cante, ou alterá-lo e ter um hino que a sergipanidade acolha e cante?
JUM – Minha sugestão é a de que o hino de Sergipe seja transformado
em hino do sesquicentenário e, a partir daí, o Governo abra um concurso
nacional – não sergipano – para escolher entre os poetas brasileiros e locais
as contribuições. Que o melhor escolhido seja premiado inicialmente com R$ 100
mil, pagos através de contribuições de empresas, inclusive da Unit. Ou seja,
sem nenhuma despesa para o Estado.
JLPolítica – Mas professor, a reconfiguração do hino de
Sergipe é um problema de Estado, da Academia Sergipana de Letras, do Conselho
Estadual de Educação? Afinal, é um problema de quem?
JUM – Temos pessoas que eu respeito e que têm a tese de que
hino não se muda. Isso é uma questão de ponto de vista. Não me digladio contra
ninguém, simplesmente tenho meu ponto de vista. Este mesmo portal colocou que
eu tenho problema com a professora Aglaé Fontes. Isso não existe, sob espécie
alguma. Meu relacionamento com ela já tem mais de 50 anos, não tenho nada
contra ela e respeito o ponto de vista dela. Mas estou com um documento de
1934, escrito por Amarílio de Albuquerque, da família de Leandro Maciel, onde
consta toda a documentação do hino nacional, e lá está confirmado que foi
mudado três vezes. E isso não deixou de valorizá-lo.
JLPolítica – Qual é a tese central da professora Aglaé, além
de o hino ser imexível?
JUM – É essa de que, por tradição, não se muda. Que hino é
intocável. Mas a tradição vai continuar. Ele vai ficar como hino de referência
de uma época e teríamos também um hino de hoje, para a juventude cantar, com
emoção, e sair das fronteiras de Sergipe.
“Os poetas da época quiseram encher de
informações para justificar o gesto de
grandeza, de homenagear as autoridades
de então. Mas isso não acrescentou nada
para o Estado e seu hino. Pelo contrário.
Afastou das escolas”
JLPolítica – Há quanto tempo se arrasta essa questão de
mexer ou não?
JUM – Isso já vem desde há muitos anos e passa pelo Conselho
de Cultura, quando alguns conselheiros sugeriram que ele fosse modificado.
Alguns apoiaram, outros acharam que não devia mudar. Depois, surgiu aquela
possibilidade de cantar apenas as duas estrofes. Ora, se pode cantar só duas
estrofes, é porque se reconhece que não é cantável.
JLPolítica – E o que diz a professora Olga Andrade,
especialista na área?
JUM – Ela diz que é lamentável que isso aconteça. Inclusive
a Olga foi constrangida num evento na Academia e apresentou ao Conselho a
posição dela de que o hino criava dificuldade até para ser cantado pelo Coral
da Sofise. O exímio professor de música Rivaldo Dantas também disse no Conselho
que o hino não pode continuar, porque tem plágio, não combina as notas musicais
com a letra. Coisas de especialistas. Então minha posição continua sendo essa:
acho que a gente tem que preservar o hino atual de Sergipe como um fato
histórico, com outra denominação, e abrir o concurso público. Toda hora eu
repito: um concurso nacional, porque vamos ter poetas de todo o País. As
escolas de samba do Rio de Janeiro, por exemplo, têm os sambas-enredo feitos
por poetas que só têm o primeiro grau, mas que dão o recado. Então, que venha de
onde vier, mas que seja escolhido, por uma comissão de alto nível, o melhor.
JLPolítica – O senhor, inclusive, já escreveu um artigo
sobre isso, no qual defende alguns temas que poderiam entrar na letra. Quais
seriam os valores que deveriam constar do hino?
JUM – Trabalho, cultura, educação, valores morais e sociais.
Para que eles cheguem à juventude com informações de que, ao cantar, a pessoa
já está praticando, aprendendo esses valores.
JLPolítica – Olhando as 18 estrofes do hino sergipano, o
senhor diria que ele trabalha a favor da autoestima sergipana ou a solapa?
JUM – Digo que não contribui com a autoestima do sergipano.
Ele só faz contar os fatos da época que acharam importantes. Inclusive, até
problemas com a Bahia, que não deviam ser colocados num hino. Temos que botar
ali amor, solidariedade, relacionamento. Isso que tem fazer, e não guardar
rancor de ninguém.
JLPolítica – Ele é de 1836, a emancipação sergipana em
relação à Bahia é de 1820. Ou seja, é de apenas 16 anos depois. O senhor acha
que o calor da hora implicou nessa letra assim confusa?
JUM – Os autores se preocuparam em agradar o Governo. As
transformações vão acontecendo depois de cada fase. Como isso aconteceu, eles
surgiram e trataram de oferecer uma minuta de hino que julgaram que seria
importante para a época. Mas acontece que é uma poesia pobre, que não estimula
ninguém e não mostra os valores morais e sociais de Sergipe.
JLPolítica – Em 2020, o Estado completa 200 anos de
emancipação com relação à Bahia. O senhor acha o momento oportuno?
JUM – Eu acho que o momento oportuno é ontem. Há muito tempo
que todos nós sergipanos e as pessoas que defendem a permanência dele não veem
nem 5% das pessoas cantando-o em qualquer acontecimento social que se mande
cantar o hino de Sergipe.
JLPolítica – O senhor que é um exímio cantador de hinos,
seria capaz de lembrar a letra dele de cor?
JUM – Eu canto os pedaços, mas as vezes misturo devido a sua
abusiva extensão.
JLPolítica – Por onde deve passar a normatização desse
eventual concurso que o senhor defende?
JUM – O governador mandaria a minuta do projeto para a
Assembleia Legislativa e, uma vez aprovado, seria aberto o concurso nacional e,
depois, retornaria à Assembleia para que o hino resultado disso seja
transformado em lei. E essa proposta seria sancionada pelo governador. Eu
propus em um acontecimento formal no Palácio Museu, na Praça Fausto Cardoso,
com escolas públicas e privadas, bandas de música e toda a sociedade. E esse
hino seria transformado em CD, seria tocado nesse dia e quem tivesse interesse
poderia levar para casa, e aí seria como aquelas músicas de “iê iê iê” e a
pessoa ia querer aprender porque, agora, seria uma música que agrada ao
coração.
JLPolítica – Essa proposição de lei não poderia passar por
um deputado estadual?
JUM – Apresentei a um deputado, que disse ter interesse. Mas
quero ouvir os demais parlamentares e mostrar a eles o valor que tem essa
iniciativa.
JLPolítica – A professora Aglaé tem deixado vazar que o
senhor está usando a sua importância socioeconômica para mexer no hino. O
senhor vê isso na sua pessoa?
JUM – Lamento profundamente, mas reitero que tenho o maior
respeito por ela. Quando propusemos que no concurso o Estado daria um prêmio de
R$ 100 mil e que nós iríamos buscar as empresas para não onerar o Estado, foi
dito por ela que estaríamos usando o poder econômico. Será que eu estaria
comprando a consciência das pessoas para aprovar uma coisa que elas não querem?
Eu não sou político. Não tenho interesse econômico nenhum nisso. Para mim, não
virá nenhum benefício, a não ser a realização moral e espiritual de ver que meu
Estado vai ser cantado de maneira convincente, com gosto e emoção. Achei uma
atitude impensada dela. Lamento profundamente, mas continuo tendo respeito por
ela, porque entendo que ela tem o direito de pensar da maneira como julgar
correto.
“Não me digladio
contra ninguém,
simplesmente tenho meu ponto de
vista. Meu relacionamento com Aglaé
Fontes já tem mais de 50 anos, não
tenho nada contra ela e respeito o
ponto de vista dela. Mas hino se muda”
JLPolítica – O senhor e ela compartilhariam um sorvete num
shopping?
JUM – A qualquer hora que ela queira. Veja, tivemos uma
audiência, pois ela me representou ao Ministério Público. Ao me ver, ela disse
que eram questões de ponto de vista. E eu respondi que ela não precisava fazer
isso. Lá, ela disse que estávamos destruindo um símbolo do Estado e que não era
interessante que isso acontecesse. Ela foi acompanhada pelo presidente do
Instituto Histórico. Ela, inclusive, denunciou o presidente da Academia
Sergipana de Letras, que só fez encaminhar o processo que dei entrada.
JLPolítica – Voltemos a tema: há muita discussão acerca da
autoestima da sergipanidade. O senhor acha que o hino contribui para que essa
autoestima seja sempre posta em questão?
JUM – E como! Para se ter uma ideia, se você pegar o
acontecimento francês, quando toca A Marselheza as pessoas se levantam, se
arrepiam, cantam, gritam. Por que? Porque ele levanta as pessoas com o
sentimento de grandeza, de orgulho. Elas se sentem representadas. O hino
americano tem duas estrofes, mas a emoção é grande quando ele é tocado. O que
estamos propondo com o nosso não vai tirar nenhum mérito dele e da sua época.
Quem quiser cantá-lo, cante-o. Mas quem quiser uma versão atual, que cause
emoção, parta para o novo.
JLPolítica – Um Estado com 196 anos é um “bebê”. O senhor
acha que mexer agora é mais pertinente do que deixar para o futuro?
JUM – Quando eu estiver errado, quero consertar hoje. No
agora. Na instituição que eu dirijo, digo para todo mundo – do jardineiro ao
diretor – que leal para mim é quem diz que estou errado. Porque quem diz apenas
que eu sou bom, age com falsidade. Quero que digam o que pensam.
JLPoítitica – Na base do chute, o senhor acha que se fizesse
uma pesquisa séria junto aos sergipanos, quanto por cento aprovariam o hino
como ele o é?
JUM – Acredito que 10%, e olhe lá. A maioria aprovaria a
mudança. E esta pesquisa até pode ser feita, para que as pessoas se manifestem.
JLPolítica – Entre os seus 40 confrades de Academia, quanto
por cento topariam essa mudança?
JUM – O problema da Academia é que mais da metade não
frequenta. Só temos 8, 10, quando muito, 12, frequentes semanalmente. Acontece
que quando apresentei, o presidente teve o cuidado de submeter à apreciação de
todos, nomeou uma comissão, que, por sua vez, apresentou um projeto, aprovando.
E foi para o plenário, que também aprovou. Foi quando a professora Aglaé
declarou que tinha vergonha de fazer parte da Academia por ter aprovado a
proposta.
JLPolítica – Sendo reitor de uma instituição de educação
superior particular, o senhor acha que a sua postura afasta um pouco os
acadêmicos da UFS, por exemplo?
JUM – Não. De jeito nenhum. Isso aí não tem universidade
federal ou particular. Isso é uma causa sergipana, e está acima de qualquer
justificativa.
JLPolítica – Qual das 18 estrofes o senhor acha mais bonita?
JUM – Só a primeira: “Alegrai-vos, sergipanos,/ Eis que
surge a mais bela aurora/ Do áureo jucundo dia/ Que a Sergipe honra e decora”.
Apesar do áureo jucundo.
Texto e imagens reproduzidos do site: jlpolitica.com.br/entrevista
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