Banca de frito, onde se come as delícias da região,
a exemplo da galinha caipira.
Foto: Destaque Notícias.
Publicado originalmente no site Click Sergipe, em 13 de fevereiro de 2017.
A feira de Glória vista por uma acadêmica de Geografia
A feira livre de Nossa Senhora da Glória, no sertão de
Sergipe, é uma das mais movimentadas do Estado. O animado encontro semanal de
comerciantes e consumidores foi retratado por Fabianne Torres Oliveira na
monografia que fez para a conclusão do curso de Geografia da Universidade
Federal do Espírito Santo. Concluído em 2010, o estudo acadêmico foi batizado
de “Geografia da Feira de Nossa Senhora da Glória-SE: territórios, narrativas e
marcas da caltura”. Veja, a seguir, alguns trechos da bem elaborada monografia
e faça um saboroso passeio pela maior feira do semiarido sergipano.
“Nosso estudo sobre a Feira de Glória está traduzido nos
cardápios de comidas típicas, nas bancas de remédios milagrosos, livros de
cordel, artesanato, cerâmica, artigos de couros, panelas, legumes, frutas,
bancas DVD’s e CD’s, venda de animais vivos e abatidos, roupas, produtos
eletrônicos e outras quinquilharias. São também misturas de localismos e
territorialidades percebidas nos diferentes sotaques, transportes, fisionomias
e nas distintas origens e marcas de seus produtos.
É na feira também aonde iremos nos deparar com as
intensidades e os decalques do lugar, percebidos em uma série de ações, de
afetos e de gestos dispostos em uma série de micro-eventos – interações entre
os personagens que compõem os espaços públicos e os espaços privados,
desvendados nas disposições das bancas, nos diversos ritmos e caminhos
escolhidos para fazer o percurso, nas jocosidades, nas conversas dispersas, nos
sons, nos cheiros e nas performances e jogos corporais para atrair os clientes.
Comidas típicas
Os botecos de comida são grandes tendas (barracas) de
madeira e de lona improvisadas nas calçadas e ruas nos dias de feira. Dentro
delas seus donos preparam as refeições que irão ser vendidas e consumidas pelos
seus freqüentadores (feirantes, visitantes e fregueses da feira). Estes botecos
dão testemunho da extensão da feira, que requer montar sua própria
infraestrutura para dar sustentação aos feirantes.
Seu cardápio é bastante variado e bem típico do sertão
nordestino, sendo que há uma pequena variação entre o que é servido no almoço e
na janta. Geralmente, é possível encontrar feijão, carneiro cozido, sarapatel
de porco, buchada de bode, galinha da capoeira e carne assada, para o almoço.
Na janta, são oferecidos outros pratos como a macaxeira cozida, cuscuz de milho
e inhame. Além da tubaína, são servidos café e algumas bebidas alcoólicas. A comida
é preparada ali mesmo em um fogão tradicional ou fogareiros a brasa e servidas
em uma ou duas grandes mesas e as pessoas se assentam em um extenso tamborete,
de frente uma das outras.
No sábado, ainda cedo, começa a feira dos animais vivos como
galinhas de capoeira, galos, porcos, carneiros e animais de caça como teiús,
pássaros, tatus e até cobras. Esses animais são vendidos para atravessadores e
varejistas, que disputam os melhores animais e os melhores preços. Essa é uma
faceta curta da feira, pois os vendedores conseguem apressar e vender suas
iguarias até, no mais tardar, às oito ou nove da manhã.
Na esfera humana, observam-se senhorinhas com lenços nas
cabeças, vestidos de algodão estampado e sandálias rasteiras; senhores com
chapéus de couro, calças de linho e botas; jovens e adultos comprando bonés,
roupas e calçados da moda. Trata-se de um cenário de intensa mobilidade, cores
e biotipos que retratam a diversidade local e marcam a territorialidade com
imagens contrastantes e impactantes.
Na feira tem de tudo
Nessa paisagem complexa, de múltiplas faces, competem pelo
mesmo espaço vendedores de remédios milagrosos e ervas medicinais, doces
típicos, queijos feitos no município, folhetos de cordel, artesanato de
cerâmica, bordados, brinquedos de madeira, artigos de couro (celas, rédeas,
arreios, chapéus de couro, coletes, sandálias e botas), chapéus de palha,
cordas, esteiras, panelas, lamparinas, armas brancas e outras quinquilharias.
A Feira de Glória também conta com o universo fashion e
hight tech de roupas sintéticas – clones baratos de grifes da moda –,
videogames, celulares, brinquedos eletrônicos, enfim, toda sorte de
eletroeletrônicos nacionais e importados de origem fiscal duvidosa.
As fileiras das bancas logo viram corredores lotados – em
uma mesma rua são criadas duas ou até mesmo três filas de bancas –, algumas
chegam a tomar as calçadas que, com o tempo, mais se assemelham a labirintos
humanos onde cada um parece ter um itinerário e um ritmo diferentes. Alguns
caminham lentamente, observando os produtos a serem comprados, parando para
conversar com outros fregueses e feirantes, outros parecem já ter traçado sua
trajetória caminhando rapidamente.
Quanto aos diferentes percursos, muitos tomam o sentido
Mercado de Talho de Carne para o Ceasa, enquanto outros preferem o sentido
contrário ou até mesmo outra rota. Em outro ritmo, estão os passeantes ou os
fregueses “desatentos” no “fazer a feira” que ora param em uma barraca de
compras, ora param em uma barraca de jogos de azar (jogos de roletas, cartas e
argolas), na banca dos fumos, das cachaças, nas de pastéis e botecos de comida.
É um público diverso, multifacetário e difuso que se espalha e se ajunta num
dinamismo cultural, que evidencia as marcas do “espaço-feira” como o locus de
socialização e territorialização”.
Texto e imagem reproduzidos do site: clicksergipe.com.br
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