Publicado originalmente o Facebook/Lilian Rocha, em 30 de março de 2017.
Era Uma Vez Uma Rua.
Assim que desci do táxi, na esquina da praça do palácio,
parei diante dele. Um suntuoso prédio de andar, transformado em uma loja de
roupas populares, que atende hoje pelo nome de “Center Pálace”. Não resisti e
entrei.
Mas não entrei no ‘Center Pálace’. Entrei no meu velho e
querido “Cine Pálace”, pra tentar reencontrar algum vestígio do passado e
acalmar minha saudade que já começava a doer...
No enorme hall de entrada, onde ficava a bilheteria, hoje
repousam dezenas de araras repletas de camisas masculinas, à espera de um
comprador. Continuei em frente, fingindo que estava entrando no cinema mais
elegante de Aracaju, do meu tempo de adolescência. O único com “ar refrigerado
e “cadeiras acolchoadas”, um verdadeiro luxo!
Procurei vestígios das pinturas de Jenner Augusto nas
paredes e lá no fundo, busquei o palco e a imensa cortina vermelha, ainda
fechada, esperando o filme começar. De repente, eis que as luzes se apagavam e
o prefixo musical se fazia ouvir. Nosso coração batia forte. Era o sinal de que
o filme ia começar...
E lentamente, a cortina de veludo ia se abrindo, enquanto
nossos olhos continuavam aflitos, procurando reconhecer, no escuro, se aquela
pessoa que estava chegando atrasada era finalmente aquela por quem tanto
estávamos esperando...
De repente, um vendedor se aproximou de mim e perguntou se
eu desejava alguma coisa. Fiquei olhando pra ele com o olhar distante, agarrada
ainda às minhas lembranças, mas ele insistiu. Inventei que queria alguma camisa
de uma cor e um modelo que não existia, só pra que ele desistisse de mim. E ali
fiquei por mais alguns minutos, em meio àquele mar de roupas penduradas,
tentando encontrar o que há muito já havia deixado de existir...
Desanimada, fechei a cortina das minhas lembranças e saí
dali. Novamente na calçada, fui refazendo, instintivamente, o mesmo trajeto que
eu costumava fazer, no início da década de 70. Naquele tempo, Aracaju era bem
pequenininha e era no centro, mais especificamente nas ruas João Pessoa,
Laranjeiras e Itabaianinha, que a gente encontrava tudo o que queria: roupas,
sapatos, discos, cinema, ótica, joalheria, banco, salão de beleza, tudo enfim!
Era o nosso “shopping”!
Mas a minha rua preferida, sem dúvida, era a João Pessoa.
Era a mais chic da cidade! É muito difícil imaginá-la hoje sem o calçadão, mas
eu fechei os olhos e vi tudo de novo. Vi os carros circulando normalmente,
vindos da praça Fausto Cardoso e junto com os carros, dezenas de antigos
estabelecimentos também foram vindo à tona, como num passe de mágica: a “P.
Franco”, uma loja enorme de eletrodomésticos, dona da vitrine mais bonita, que
fascinava até mesmo quem não era dona de casa como eu; a “Dernier Cri”, a
sapataria mais elegante da cidade; a “Casa Schuster”, cujo slogan “difícil de
pronunciar, mas fácil de encontrar”, eu nunca me esqueci; o banco "Dantas
Freire", a joalheria “Cristal”, mais antiga e mais feia do que a “Safira”,
mas com preços mais em conta do que esta; as livrarias “Nascimento” e
“Monteiro”, onde a gente comprava o material escolar, (minha preferida era a
Monteiro, pois eu encontrava quase todos os livros da lista de uma só vez!); o
edifício Mayara, onde ficavam os consultórios dos meus tios dentistas, Afranio
e Sylvia; a farmácia “Lyra”, em frente à Igreja São Salvador; o cine “Rio
Branco”, o mais antigo e mais aconchegante de todos; a livraria “Regina”, onde
meu pai lançou seu primeiro livro, "Meu capim de burro"; a
"Alteza Modas", uma enorme loja de calçados, a 'Casa Cristal",
cujos balcões de madeira, enormes e antigos me deslumbravam; a “Fotosom”, onde
eu levava as fotos pra revelar; a "Tito´s", loja de roupas
masculinas; a “Lobrás” (Lojas Brasileiras, antiga "4 e 400") e
"Os Gonçalves", uma enorme loja de tecidos. Naquele tempo, comprar
roupas prontas era quase um luxo, por isso, quase todas as nossas roupas eram
feitas em casa, por alguma costureira contratada. Escolhíamos os modelos pelas
revistas de moda (geralmente "Manequim"), comprávamos os tecidos,
linhas, feches, elásticos e botões e a costureira se encarregava do resto. Ao
fim do dia, lá estavam 3 vestidos, 2 blusas e 2 calças, tudo novinho e
igualzinho à revista, pendurado no armário!...
Bem no meio do segundo trecho da rua João Pessoa, entre uma
loja e outra, havia uma escada bem alta e estreita que ia dar num salão de
beleza, conhecido simplesmente como “o salão de Taís”. Não me lembro do rosto
dela, nem sei o que aconteceu com ela, mas me lembro perfeitamente do salão,
pois era ali que todo mundo cortava o cabelo. Sempre que passo em frente a essa
escada, tenho vontade de subir pra ver o que agora funciona ali...
Na rua Laranjeiras, outras casas igualmente famosas: “O
Cantinho da Música”, um cantinho minúsculo e apertado que cheirava a doce, pois
vendia discos de um lado e balas, chocolates e pirulitos do outro; “O Gavetão”,
uma loja de roupas masculinas toda moderna; a "Relojoaria Fontes”, “A
Sugestiva”, minha loja de discos preferida, onde comprei meus primeiros
“compactos” (disquinhos pequenos que só tinham uma música de cada lado) e
depois minha primeira radiola portátil! E bem na esquina, a imponente agência
do Correio, para onde eu me dirigia quase todas as manhãs, para cumprir um
ritual que eu adorava: pesar as cartas, comprar e colar os selos e depois sair
suspirando, ansiosa pelas respostas que não tardariam a chegar...
A cidade era tão pequena que parecia caber inteira em nossas
mãos. Frequentávamos os mesmos lugares e, por isso, quase todos se conheciam.
Com exceção do Correio e de umas poucas lojas, quase nada
mais daquele tempo existe. A rua João Pessoa hoje é quase uma estranha pra mim.
Não reconheço mais suas lojas, nem seu ar de aristocrata. Virou uma rua comum,
repleta de lojas parecidas, que possuem os mesmos fornecedores e vendem os
mesmos produtos.
Foram-se os cinemas de rua e, com eles, os saudosos
cavaletes de madeira onde se colocavam cartazes de cinema, para anunciar os
filmes em cartaz (e, aos domingos, a farmácia que estava de plantão)...
Farmácias foram vendidas, muitas lojas foram engolidas por
outras e multiplicaram-se as opções de lazer, quase todas agora bem longe dali.
Minha querida rua perdeu a identidade. Mas pra mim, ela vai
continuar sempre a mesma, cenário de tantas lembranças boas, por onde de vez em
quando minha saudade insiste em passear...
(Lilian Rocha - 30.3.17).
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Lilian Rocha.
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