Ataque da Força Aérea dos Estados Unidos ao submarino U-507
Professor Dilton Maynard: "foram mais de 500 pessoas morrendo
e parte desses corpos chegando a uma cidadezinha de 50 mil habitantes"
Foto: Adilson Andrade/Ascom.
Caroline Barbosa: "a guerra, apesar de ser distante,
afetou diretamente o cotidiano de nossos antepassados".
Foto: Adilson Andrade/Ascom.
Publicado originalmente no site Ciência UFS, em 24 de abril de 2017.
Aracaju sob ataque? Como a vida na cidade foi afetada pela
Segunda Guerra Mundial.
Bombardeio a navios na costa sergipana causou mudanças na
rotina dos aracajuanos, mostra estudo.
Era o ano de 1942. Todas as noites, Aracaju ficava às
escuras e com suas ruas completamente desertas por conta de blecautes
programados e toques de recolher. Havia o receio de que a cidade, com as luzes
acesas, se tornasse alvo fácil e fosse bombardeada.
Situações como essa se tornaram corriqueiras após três
navios mercantes próximos à costa de Sergipe serem torpedeados, causando a
morte de 551 pessoas. Os ataques foram atribuídos ao submarino alemão U-507 e
as embarcações atingidas foram o Baependi (270 mortos), Araraquara (131) e
Annibal Benevolo (150). No dia seguinte, 17 de agosto, outros dois navios foram
atacados: Itagiba e Arará, na costa da Bahia, vitimando mais 56 pessoas.
Durante esse mesmo período, o mundo acompanhava atônito aos
desdobramentos de um dos maiores massacres de que se têm registros na história
da humanidade: a Segunda Guerra Mundial. O Brasil assistia ao embate entre
nações sem tomar uma declarada posição, até que os torpedeamentos nas costas
sergipana e baiana forçaram o então presidente, Getúlio Vargas, a declarar
guerra contra os países do Eixo – grupo formado por Alemanha, Itália e Japão.
O submarino U-507 viria a ser afundado em 1943 no litoral
norte brasileiro, pela Força Aérea dos Estados Unidos, mas seus ataques já
haviam deixado, além das centenas de mortos, marcas no cotidiano dos
sergipanos.
Ainda quando era estudante, Dilton Candido Santos Maynard
começou a pesquisar sobre o cotidiano de Aracaju na Segunda Guerra, como
bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic),
mas acabou interrompendo temporariamente as pesquisas. Agora, como professor do
Departamento de História e orientador, resgata o assunto.
“Duas coisas me fizerem retomar o tema: a ausência de
trabalhos que tratassem com maior cuidado o período, e ao mesmo tempo, o aspecto
político e simbólico que esses torpedeamentos tiveram para o Brasil e para
Sergipe naquele momento”, conta o professor.
Além de abordar aspectos históricos e sociais, como as
mudanças ocorridas no cotidiano do povo de Aracaju após os ataques, a pesquisa
tem por objetivo analisar como os jornais da época tratavam o tema e como a
visão dos populares a respeito do conflito foi alterada.
O professor exemplifica como alguns problemas enfrentados
ainda hoje pela população aracajuana já afetavam a vida de seus antepassados
ainda na primeira metade do século XX, como o transporte público. “As poucas
marinetes que a sociedade tinha enfrentavam dificuldades no que diz respeito a
peças, ao tratamento dos motoristas, dos condutores. Esses problemas acabaram
se aprofundando porque com o passar do tempo e com o avanço da guerra ficou
mais difícil chegarem peças aqui”.
Dilton Maynard revela que além de informações sobre os
transportes, os jornais traziam notícias sobre a má qualidade do serviço de
fornecimento de energia elétrica e dificuldade com os preços que dispararam na
época, embora houvesse uma tentativa de controle por parte do governo.
“Não somente as notícias da guerra aparecem – como, por
exemplo, a invasão à França, os avanços de Hitler, a preparação da Inglaterra -
mas o próprio linguajar dos jornais é tomado por um certo belicismo. Fala-se em
promoções do tipo Blitzkrieg (termo alemão para ‘guerra relâmpago’) contra as
tristezas da vida. Quando se fala de um jogo, tratam como um combate entre os
dois times. Vários termos ligados ao conflito acabam entrando no linguajar dos
jornais”.
Para facilitar a compreensão do que foi aquele momento para
os habitantes de Aracaju, o professor compara a um fato mais recente: o
incêndio da boate Kiss na cidade de Santa Maria (RS), em 2013, tragédia que
vitimou mais de 240 jovens.
“Se em pleno século XXI não conseguimos conceber a perda de
tanta gente, tantos jovens morrendo quando deveriam estar apenas se divertindo,
pense o que são mais de 500 pessoas morrendo e parte desses corpos chegando a
uma cidadezinha de 50 mil habitantes, onde a coisa mais diferente que havia na
rotina do local era o ano novo, ou o carnaval”.
Outro aspecto importante da pesquisa para Dilton Maynard é o
fato de Aracaju ser uma das únicas cidades do continente americano a sofrer
diretamente as consequências da Segunda Guerra. O outro caso lembrado foi a
Batalha do Rio da Prata, ocorrida em Montevidéu, Uruguai, ocasião em que um
navio alemão com pesada artilharia foi cercado por três embarcações britânicas
e se viu obrigado a bater em retirada.
O pesquisador lamenta haver desconhecimento sobre esse
evento histórico ocorrido em Sergipe até por seus próprios habitantes.
Entretanto, lembra que existem alguns indicativos que têm como objetivo não
permitir que esse fato caia no esquecimento, como a rodovia, o cemitério e a
praia dos Náufragos – neste trecho do litoral aracajuano chegou grande parte
dos corpos, trazidos pelo mar, vitimados pelos naufrágios. Na capital, há
também um monumento dedicado aos pracinhas – soldados da Força Expedicionária
Brasileira (FEB) enviados à Itália para integrarem as forças aliadas,
comandadas pelos Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética, na luta contra
os regimes nazista e fascista, representados pelo Eixo - no bairro Siqueira
Campos.
Contudo, Maynard destaca o problema de não existir um
trabalho que articule essas memórias em torno dos navios torpedeados na costa
sergipana. “Existem a praia, o cemitério e a rodovia dos Náufragos. Mas existem
náufragos desde o tempo em que o homem começou a navegar. Isso não vai colar a
memória sergipana a esse acontecimento. A grande exceção, claro, são as pessoas
mais velhas que sabem que isso está ligado a esse momento triste de nossa
história, mas os mais novos, não”.
O professor conclui que o estudo sobre o cotidiano de
Aracaju mostra que, mesmo enfrentando dificuldades para obter alimentos e
outros utensílios, os cidadãos acabaram se adaptando ao clima de guerra e
seguiram sua rotina. “As procissões continuaram ocorrendo, os cinemas
continuaram existindo, a ida às praças, ao futebol. Num determinado momento há
o choque como é normal, mas você percebe que aos poucos as pessoas voltam a
circular por esses ambientes”.
Um estado que tem história... e muita
Outra integrante da pesquisa é Caroline de Alencar Barbosa,
graduada em História e hoje mestranda em Educação. A estudante lembra que antes
de ingressar no Pibic já gostava de pesquisar sobre o tema. Conta que o que
mais lhe chamou atenção sobre o assunto foi a circunstância de Sergipe, o menor
estado do país, ter uma participação tão grande no maior conflito do século XX.
“O fato é trágico, já que todos os mortos eram civis e sequer participavam da
guerra, mas é impressionante ver que Sergipe faz parte dessa história”.
Caroline analisou principalmente os jornais da época para
entender como as pessoas de Aracaju utilizaram os espaços da cidade após os
torpedeamentos. Ela explica que por conta dos blecautes e do racionamento de
produtos básicos, e também pelo medo de que os ataques se repetissem, a
população teve que encontrar meios para conviver com a nova realidade.
“As festas também passaram a sofrer censuras, como o São
João, Natal, Carnaval. Uma das manchetes encontradas em um dos jornais dizia
que o São João não havia sido tão bom quanto os outros porque os fogos de
artifício estavam caros e a população acabou não usando esses produtos. Assim,
podemos ver como a guerra, apesar de ser distante, afetou diretamente o
cotidiano de nossos antepassados”.
Ainda sobre a abordagem jornalística, a aluna lembra que
naquele momento histórico as publicações passavam pelo Departamento de Imprensa
e Propaganda (DIP), órgão de censura instaurado na era Vargas. Segundo
Caroline, as notícias consistiam basicamente em apoiar a participação do Brasil
na guerra. Além disso, grande parte dos cidadãos, principalmente donas de casa,
enviavam cartas aos jornais reclamando dos preços dos alimentos, pois muitos
comerciantes agiam com desonestidade: os preços naquele período eram tabelados,
mas alguns comércios cobravam acima do valor definido.
A estudante diz que é difícil encontrar depoimentos sobre o
período, pois muitos dos que vivenciaram a época, devido ao tempo transcorrido,
não se lembram de muitos detalhes. “O problema de se trabalhar com história
oral é justamente a memória seletiva: as pessoas que, de alguma forma,
concordaram ou não com o posicionamento do país têm opiniões diferentes”.
A respeito da importância da pesquisa, Caroline enfatiza que
os estudos resgatam uma história pouco lembrada e que Sergipe foi o principal
estado afetado pela Segunda Guerra.
“Os torpedeamentos aconteceram em nosso litoral, os corpos
chegaram ao nosso litoral e por isso o Brasil entrou na guerra; e isso
contribui para a história do estado. Sergipe tem história, e muita. Se essa
pequena parte tem um grande leque de informações, imagine as outras que
continuam ocultas”, conclui.
Outras leituras
Frutos da pesquisa sobre o tema, o professor Dilton Maynar
publicou dois livros: “Dias de Luta” e “Leituras da Segunda Guerra Mundial em
Sergipe”. A pesquisa também contribuiu para alimentar o Getempo, coluna do
portal Infonet – espaço que o veículo disponibiliza para a divulgação
científica.
Os estudos foram publicados também em duas revistas
eletrônicas: “Cadernos do tempo presente” e “Boletim Historiar”.
Guilherme Almeida (bolsista)
Marcilio Costa
comunica@ufs.br
Texto e imagens reproduzidos do site: ciencia.ufs.br
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