Foto: Secom
Publicado originalmente no blog da PMA, em 24 de março de 2010.
A difícil tarefa de desvendar o que diz o aracajuano
Por Gabriela Melo
Tranquila e muito bem organizada, Aracaju atrai gente de
todos os lugares, de todas as cores, sotaques, costumes e crenças. Quem vem de
fora logo se acostuma com a cidade, sobretudo pela facilidade de se deslocar,
encontrar conhecidos e saber das novidades. Difícil, muitas vezes, é entender o
que dizem os aracajuanos. Isso porque aqueles que nascem ou vivem na capital
sergipana há algum tempo acabam aprendendo e adotando uma linguagem própria,
com termos e expressões bem locais.
O empresário pernambucano Tarciso Agostinho, 56 anos, conta
que quando veio morar em Aracaju, em meados de 1981, se surpreendeu ao ouvir
pela primeira vez algumas palavras que, para ele, eram completamente
incompreensíveis. "Tudo para mim era novo. Aos poucos fui descobrindo o
significado de alguns termos. Pão francês aqui é ‘pão jacó', lagartixa é
‘catenga', pessoa ruim é um ‘fio do cabrunco' e meleca de nariz é ‘catarata'.
Lembro que eu sempre perguntava quando não entendia alguma coisa e, ao ouvir a
explicação, dava boas risadas", relata.
Outra coisa que chamou a atenção do empresário foi o modo
como o aracajuano confirma que entendeu o recado, que compreendeu a mensagem.
"Aqui, quando uma pessoa fala, por exemplo, ‘tô indo embora, viu?', a
outra responde: ‘Viu!', na terceira pessoa mesmo, ao invés de utilizar a primeira.
Demorei a me acostumar com isso, mas hoje até falo desse jeito", revela
Tarciso.
O repórter cinematográfico Augusto Baiano, 51 anos, nascido
em Salvador, chegou a Aracaju há 20 anos para trabalhar e, como todo mundo que
vem de fora, encontrou dificuldades para entender alguns termos. "Logo de
cara estranhei o nome do pão, que lá em Salvador é ‘cacetinho' e aqui é ‘pão
jacó'. Oito é ‘oitcho' e toda hora se fala ‘peste', em qualquer situação",
diz.
"Mas o que me deixou admirado de verdade foi quando eu
vi uma menina, ainda criança, falar para outra: ‘Venha brincar, mulher!'",
revela Augusto Baiano, acrescentando que depois disso percebeu que crianças,
jovens, idosas e todas as pessoas do sexo feminino, independentemente da idade,
chamam uma às outras de ‘mulher'. "Para mim ‘mulher' era um termo usado
para pessoa adulta, mulher feita, já trabalhando, com família, filho, essas
coisas", afirma o repórter cinematográfico.
Os mistérios da linguagem do aracajuano e, por extensão, do
sergipano, foram desvendados pelo jornalista paulista Rubens Dória, que em 2000
lançou o Dicionário de Sergipanês, inicialmente com 600 verbetes - esse número
chegou, anos depois, a 900. Nascido na cidade de Santos, Rubens vinha sempre a
Aracaju para visitar a família. Intrigado com a quantidade de palavras
tipicamente locais e depois de passar por situações engraçadas e curiosas por
não saber o significado de alguns vocábulos, ele começou a anotar as expressões
desconhecidas que ouvia.
O esforço resultou numa extensa lista de termos e
significados. O material era apenas para uso pessoal do pesquisador, que,
inclusive, chegou a pensar em jogar tudo fora. Mas Dória descobriu que vários
estados já tinham dicionários de regionalismos. Foi então que ele registrou o
Dicionário, publicou os verbetes na internet e divulgou na imprensa,
despertando amplo interesse, inclusive fora de Sergipe.
Os internautas e leitores que tiveram acesso ao material
começaram a dar sua contribuição, acrescentando ao dicionário palavras ainda
não catalogadas. Rubens confirmava o uso do vocábulo e seu significado com os
parentes sergipanos e os incluía na lista. Entretanto, grande parte das
palavras enviadas não era aproveitada por dois motivos: o colaborador enviava
palavras que já estavam no dicionário ou a palavra também era utilizada em
outras regiões.
Termos curiosos
Para os aracajuanos, quem tem perna e olhos tortos é
‘zambeta' e ‘zanoio'. ‘Gaitar' é gargalhar e ‘acoitar' é defender. Quem dá uma
‘roubadinha' faz uma manobra irregular no trânsito e quem ‘bota banca' esnoba,
dá uma de superior. ‘Armada' é presepada e ‘fazer mercadinho' é ir ao
supermercado.
Quem mora na capital sergipana sabe que ‘esbregue' é bronca,
‘papoco' é estouro e ‘pelejar' é insistir. Sabe também que ‘custar' é o mesmo
que demorar. ‘Atroado' e ‘azoado' significa agoniado, distraído, ‘se bater' é
ter dificuldade para fazer alguma coisa e ‘empatar' é atrapalhar.
Isso sem falar nas expressões ‘valei-me', ‘se respeite',
‘botar pra lá', ‘nem xite', ‘perainda', ‘se picar', ‘se acabar', ‘se fazer
de...', ‘uma ruma', ‘casa da peste' e das interjeições populares ‘pêga!',
‘pêntia!' e ‘cabrunco!', tão faladas e ouvidas no dia a dia do aracajuano.
Texto e imagem reproduzidos do blog: aracajuqualidadevida.blogspot.com.br
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