Foto: Arquivo PCB Nacional/Divulgação.
Postada por Isto é SERGIPE, para ilustrar artigo.
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Publicado no blog Primeira Mão, em 20 de abril de 2014.
Os comunistas de Sergipe: A política proibida
Por Afonso Nascimento*
Os comunistas do “partidão” são a matriz da esquerda
sergipana. As suas origens, não como indivíduos, mas como membros de uma
instituição, são desconhecidas em termos de fontes documentais. Por ora, se
alguém deseja se debruçar sobre essa questão, tem que recorrer a fontes orais,
ou seja, a depoimentos de velhos militantes do PCB. Geralmente, quando
interrogados a respeito do começo de sua existência institucional, eles sempre
respondem que foi em 1922. Noutras palavras, a mesma data da fundação do PCB do
Rio de Janeiro. Isso parece improvável, porque implicaria uma grande
articulação em nível nacional num tempo em que os meios de comunicação e de
transporte eram muito precários. Eu tenderia a pensar que essa fundação pode
ter ocorrido em meados ou fins da década de 1920. Durante os tempos da ditadura
dos interventores de Getúlio Vargas, o ativismo político comunista não é algo
que se questione.
Os comunistas de Sergipe funcionaram sob dois formatos
institucionais, a saber, como partido e como organização. Enquanto partido, a
sua existência foi muitíssimo curta, e ocorreu com o fim da ditadura dos
interventores quando conquistaram alguns poucos mandatos eletivos. Depois desse
tempo, lograram eleger políticos sob o guarda-chuva institucional de partidos
como o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB). Para efeito dessas reflexões, não estou interessado na
transformação do PCB sergipano em PPS ou nas tentativas de fazer funcionar o
velho “partidão” a partir do fim dos anos 1980. Por outro lado, enquanto
organização, os comunistas de Sergipe tiveram uma existência longeva, de mais
ou menos setenta anos, mesmo com suas crises, com seus rachas e com seus
desmantelamentos causados pelos diversos ciclos repressivos em tempos de democracia
e em tempos de ditaduras civil e militar.
Não é demais dizer que eles foram os ativistas mais
persistentes e mais teimosos da história política sergipana. Com efeito, os
comunistas de Sergipe quase sempre trabalharam na adversidade, na ilegalidade e
na clandestinidade. Em diversos momentos, a sua política foi tolerada
informalmente, mas não deixou de ser ilegal. A sua política foi quase sempre
proibida. Assim sendo, é de esperar que pesquisadores busquem fontes
documentais para tratar de sua história? Em minha opinião, as melhores fontes
para falar de sua história ainda são aquelas dos arquivos da justiça estadual e
da justiça militar porque nesses processos judiciais estão anexadas provas de
sua militância ilegal. Esse trabalho, que eu saiba, ainda não foi começado em
Sergipe e, acho, no Brasil.
A estruturação institucional dos comunistas de Sergipe
parece ter sido sempre muito frágil. A sua instituição comportava os seus
grupos dirigentes, os militantes e os simpatizantes. Os grupos dirigentes são as
elites comunistas (a direção estadual), os militantes são os tarefeiros
distribuídos em bases e os simpatizantes são as pessoas que davam apoio,
prestavam solidariedade em bons e maus momentos. Dizendo em outras palavras,
sempre houve uma divisão e uma hierarquia no trabalho político entre os que
mandavam e entre aqueles que faziam funcionar a organização no cumprimento de
decisões tomadas pelo famoso centralismo “democrático”. Essa estrutura
aracajuana tinha ramificações em meia dúzia de cidades do interior de Sergipe
(Itabaiana, Estância, etc.). Acrescente-se a isso os laços dos sergipanos com
os comunistas da Bahia.
Em se tratando de uma organização política trabalhando à
base da desobediência civil e à margem da política permitida (tendo no seu
encalço as diversas leis de segurança nacional), os comunistas de Sergipe
sempre tiveram o seu próprio sistema de segurança, para prevenir quedas de seus
quadros nas investidas do sistema de segurança estadual e federal do Estado em
Sergipe – existindo entre os dois sistemas, o comunista e o estatal, a
diferença de o primeiro ser defensivo e de o segundo ser repressivo. Do sistema
de segurança dos comunistas sergipanos faziam parte codinomes, esconderijos,
senhas, rotas de fuga, sítios e casas para reuniões, etc. Minha impressão é que
o sistema comunista segurança era muito débil, visto que, nas prisões e nos
processos judiciais, as forças repressivas nunca erravam – mesmo que os
indiciados fossem absolvidos de justiça por falta de provas. A pequenez
territorial da sociedade sergipana e o peso das relações pessoais (“Em Sergipe,
todo o mundo se conhece”) tornavam o trabalho de vigilância e de repressão mais
fácil, quando os agentes da repressão decidiam agir.
O recrutamento de quadros para o “partidão” em Sergipe ocorria
em muitas instituições. Não dá dizer quantos ou quais eram os modos de
abordagem. Havia o recrutamento de dentro de famílias já com histórico
comunista; havia o recrutamento em sindicatos, escolas e locais de trabalho em
geral, em que pesavam as relações pessoais, as amizades, laços corporativos,
etc; havia ainda o recrutamento de desconhecidos com a distribuição de jornais
etc., testando o recrutador a “sensibilidade social” do candidato a comunista
para temas de acordo com cada período histórico. Não pode deixar de ser dito
que, recrutar quadros para atividades políticas ilegalizadas (que poderiam ter
como consequências perseguições, prisões, perseguições, torturas e mortes),
devia ser um exercício de muita habilidade e capacidade de persuasão para membros
que, sem ser categórico, mais pareciam ser de classe média.
A socialização de comunistas sergipanos é um capítulo à
parte. Implicava a oferta de cursos de formação política com textos do
marxismo-leninismo, manuais de marxismo como o de Georges Politzer, entre
outros. Esses cursos eram dados por intelectuais do partido (como Jackson
“Tetéia” Figueiredo, Wellington Mangueira, etc.) a novos membros organizados em
grupos de estudos que se reuniam em sítios, chácaras, casas, clubes, etc. Para
as elites comunistas de Sergipe, havia a possibilidade de receberem cursos de
formação política na União Soviética como foram os casos de Wellington
Mangueira Marques e Marcélio Bonfim. Depois da teoria vinha a prática política
dos militantes que consistia em ações de distribuição de jornais comunistas,
saber fazer uso de mimeógrafos, fazer pichações, mobilizar grupos para greves,
marchas, manifestações, etc. Não dá para dizer quais foram os números desses
quadros nos diversos períodos de sua história – e muito menos o grau de
comprometimento dos seus militantes e como se afastavam da organização.
O financiamento do “partidão” é um assunto bem desconhecido.
Para todos os efeitos, o ativismo comunista era voluntário. Todavia, fazer
funcionar uma organização implica, ontem e hoje, despesas, contas a pagar, etc.
Dinheiro vindo de Moscou? È possível. Oficialmente, os velhos comunistas falam
em campanhas para arrecadação de fundos de diversos tipos e financiar suas
atividades. Por outro lado, os militantes não eram certamente remunerados,
porém é possível que as elites comunistas recebessem, não sei com que extensão,
regularidade ou valores, alguma forma de “remuneração”e detinham o controle do
caixa.
Existiram três importantes áreas de atuação para os
comunistas de Sergipe: a sindical, a estudantil e a política – além de um
varejo distribuído em diversos setores.
A sindical foi importante durante o estado populista (1930-1964), quando
os comunistas foram hegemônicos, inserindo-se principalmente nos setores
urbanos do sindicalismo sergipano (ferroviários da Leste, funcionários dos
Correios, etc.) e um pouco no sindicalismo rural em parceria com a Igreja
Católica. Na verdade, os comunistas sergipanos foram- como, de resto, todos os
brasileiros - beneficiários da organização corporativista que Vargas deu aos
sindicatos. Com o advento da ditadura militar (1964-1985), perderam espaço na
área sindical, especialmente com a emergência do “novo sindicalismo” sergipano.
Embora o ativismo estudantil não se inaugure com o regime
varguista, este lhe deu novo arcabouço institucional e novas regras para
funcionar no país inteiro e para servir de meio para legitimar essa ditadura
civil. Os comunistas de Sergipe souberam se aproximar do movimento estudantil,
sendo bastante influentes, por exemplo, da estudantada secundarista do Colégio
Atheneu por muitas décadas, onde formaram seguidos grupos de quadros que
continuaram a militância nas faculdades e na política partidária até os anos
1970. Celeiro comunista, o Atheneu era uma escola secundária que contava com
alguns professores abertamente comunistas como Ofenísia Freire, seu marido,
Margarida Costa, entre outros.
A política era uma prática social proibida aos comunistas de
Sergipe. O que lhes sobrava então? Depois da maluquice de 1935 (chamada pelos
militares de “intentona” comunista, quando os comunistas brasileiros tentaram
tomar de assalto o poder no Brasil), os comunistas sergipanos se limitaram a
querer influenciar o poder. Transformaram-se num grupo de influência política,
lançando candidatos seus e outros por eles apoiados, ocasiões em que
funcionavam para estes como excelentes cabos eleitorais. Quando lhes foi
permitida uma nova legalidade em fins dos anos 1970 e 1980, não sabiam
trabalhar na legalidade e, para complicar, tinha terminado a Guerra Fria, caíra
o Muro de Berlim, e a sua referência internacional, a Rússia decidira seguir a
trajetória do capitalismo.
Não quero terminar esse pequeno texto sem me interrogar
sobre as funções que cumpriram os comunistas sergipanos. Elas foram muitas, a
saber, a) difundir a doutrina comunista entre os sergipanos, remando contra uma
maré anticomunista generalizada; b) levantar e pôr a gravíssima questão social
sergipana na ordem do dia por diversas décadas do século passado, animando
diversas instituições sociais e políticas; c) lutar contra duas ditaduras, uma
civil e outra militar e; d) dinamizar a política sergipana que, do contrário,
não teria passado de um “cemitério de oligarquias”. Os comunistas sergipanos
não foram nem heróis, nem bandidos, nem vítimas. Considerando as condições
históricas e políticas, eles cumpriram - nem mais, nem menos - o papel que lhes
foi possível no quadro da política de Sergipe.
* Professor de Direito da UFS.
Texto reproduzido do blog: primeiramao.blog.br
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