quarta-feira, 5 de abril de 2017

Gumersindo Bessa, Memória e Desrespeito

Foto reproduzida do site: amase.com.br
Postada por Isto é SERGIPE, para ilustrar artigo.

Publicado originalmente no jornal Correio de Sergipe, em 26 de março de 2017.

Gumersindo Bessa, Memória e Desrespeito.
Por Terezinha Oliva.

Depois de Tobias Barreto, Gumersindo Bessa é o maior expoente das letras jurídicas em Sergipe; o seu nome identifica ruas, escolas e prédios públicos em Sergipe, no Rio de Janeiro e no Estado do Acre. O Bacharel pela Faculdade de Direito do Recife, nascido na cidade de Estância em 02 de janeiro de 1859 e falecido em Aracaju, em 24 de agosto de 1913, foi advogado, promotor público, juiz, desembargador, jornalista e político. Em todas as funções, portou-se com rigidez de princípios e dignidade e por isso, ninguém lhe nega elogios e reconhecimento. Sergipanos e acreanos cultuam o seu nome. A cidade de Estância lhe dedicou uma estátua na sua rua principal; a Academia Sergipana de Letras fez dele um dos seus patronos e bem assim o fez a recente Academia Sergipana de Letras Jurídicas.

Gumersindo de Araújo Bessa se apresentou espontaneamente como defensor dos acreanos, publicando no ano de 1906, um “Memorial em Prol dos Acreanos Ameaçados de Confisco pelo Estado do Amazonas na Ação de Reivindicação do Território do Acre” em 20 páginas, a que o advogado constituído pelo Estado do Amazonas, Rui Barbosa, deu atenção e resposta. Inaugurou-se assim um debate de gigantes, afinal vencido por Gumersindo Bessa, que, tornando-se advogado do Acre, não tratou apenas da disputa territorial, mas do direito dos acreanos a decidirem o seu próprio destino.

No mesmo ano de 1906 Bessa foi o jurista que se pronunciou sobre a legalidade do movimento liderado por Fausto Cardoso que, em Sergipe, intentou substituir o governo oligárquico e o mando do Senador Olímpio Campos. Fiel ao amigo que perderia, no desfecho da revolta política, custeou o seu funeral em meio ao doloroso momento que se seguiu ao assassinato do tribuno e discursou, exaltando-o, em 1912, quando em decorrência da iniciativa popular, inaugurou-se a primeira estátua de Aracaju, transformando Fausto Cardoso em herói da cidade. 

Pois bem: nada disso impediu que a memória do próprio Gumersindo Bessa tivesse sido desrespeitada da maneira mais contundente, atingindo o seu túmulo e os restos mortais. Há alguns dias, o médico e acadêmico Francisco Guimarães Rollemberg, ex-senador da República, deparou-se com o túmulo do jurista, no Cemitério Santa Isabel, servindo de maternidade de gatos e de depósito de lixo. À situação de abandono, juntou-se a ação de vândalos, resultando no que foi encontrado pelo acadêmico: lápide quebrada, destruição dos anjos que adornavam a sepultura e ossos desaparecidos em sua maior parte, incluindo o crânio.

Este quadro macabro mostra como não cuidamos da nossa memória. Há figuras que são representativas da inteligência sergipana. As marcas da sua memória, excedendo em importância, não podem ser confiadas apenas aos cuidados ou à incúria das suas famílias. Já possuímos estudos sobre os testemunhos existentes nos cemitérios – particularmente no Santa Isabel – que podem ser a base para um levantamento da situação desses túmulos e para um trabalho de conservação e cuidado, significativo do respeito que devemos ter a quem contribuiu para a construção da sergipanidade. Em todos os lugares, os cemitérios históricos são objeto de visitação até mesmo turística, por guardarem testemunhos importantes da memória. Estado, Município e organizações da sociedade civil podem e devem tomar iniciativas neste sentido, para que não tenhamos que registrar atestados de incivilidade e de barbárie.

Felizmente o acadêmico Francisco Rollemberg conseguiu do Cemitério Santa Isabel, em 10 do corrente, a entrega dos restos mortais de Gumersindo Bessa e do busto que identificava o túmulo. Entregues à Academia Sergipana de Letras, agora o busto ficará permanentemente na sede da Academia, ao lado do de Tobias Barreto, enquanto os restos mortais serão inumados no monumento ao jurista existente na Praça Central da Rua Capitão Salomão na cidade de Estância. Esta necessária providência respeita a memória do grande jurista e político, mas Aracaju perde, pelo descaso, mais um testemunho do seu passado.

Texto reproduzido do site: f5news.com.br

3 comentários:

  1. Que texto fantástico! Sergipanos precisam aprender que o respeito pela história dignifica o nosso presente. O respeito promove consciência, sentimento de pertencimento, paixão entre muitas outras coisas. É lamentável o descaso, mas fico feliz pela iniciativa do acd. Francisco e da ASL.

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  2. Desde a antiguidade que a preservação da memória é fundamental para compreendermos o presente e aflorar o sentimento de pertencimento. Me orgulho de ser conterrâneo de ilustre jurista.

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  3. De fato, Sergipe é "bom à Bessa". Ótima matéria.

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