Artigo publicado no Jornal da Cidade, em 19/08/2008.
Cristo Redentor de Sergipe
Por Thiago Fragata*
Recentemente, o Ministério Público solicitou parecer técnico
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN/SE) sobre as
potencialidades culturais do Cristo Redentor de São Cristóvão. A iniciativa
poderá resultar no tombamento, ou seja, "num ato administrativo realizado
pelo Poder Público com o objetivo de preservar, por intermédio da aplicação de
legislação específica, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico,
ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a
ser destruídos ou descaracterizados".[1] No caso do monumento do Cristo,
isso favorecerá a resolução de problemas que tem ameaçado sua integridade e
salvaguarda. Intervir para apresentar dados históricos constitui o modesto
objetivo desse artigo.
Em fevereiro do ano corrente, a Secretaria Municipal de
Obras de São Cristóvão realizou alguns reparos na colina São Gonçalo, com
pintura a cal do monumento e instalação de iluminação. Uma surpresa, pois a
praxe era o prefeito alegar não existir recursos e que a obra era propriedade
do Governo do Estado. Por isso o Cristo Redentor de São Cristóvão completou 80
anos em 2006 e nada foi realizado, nem liturgia, nem parabéns! Tivera uma
"grande reforma" anunciada pelo governo municipal de 2003, que
providenciou a imediata demolição dos banheiros públicos e do restaurante, mas
ficou na propaganda.[2] E o descaso dos últimos anos apagou seus holofotes, o
local virou zona marginal, de sacrilégios e depredações.
Antes de considerar o monumento sergipano, conveniente fitar
o mais famoso redentor do Brasil. No dia 7 de julho de 2007 foi revelado
"As Sete Novas Maravilhas do Mundo", como resultado de um certame
organizado pela UNESCO. Os monumentos mais votados foram: a Muralha da China, a
cidade de Petra (Jordânia), Machu Picchu (Peru), Chinchén Itzá (México), o
Colizeu (Roma), o Taj Mahal (Índia) e o Cristo Redentor (Brasil). A idéia de
erigir o Cristo Redentor do Rio de Janeiro remonta o século XIX, mas somente em
1921, dentro das festividades do centenário da Independência do Brasil, ela
começou a virar realidade. O projeto arquitetônico foi elaborado pelo
engenheiro Heitor da Silva Costa, seu desenho teve a genialidade do artista
plástico Carlos Oswald, ficando a escultura aos cuidados do francês de origem
polonesa Paul Landowski. Os trabalhos começaram em 1926 e sua inauguração em
1931.
Coincidência ou não, em 1926 foi inaugurado o Cristo
Redentor de São Cristóvão. Conclusão: Sergipe tem a primeira estátua de Cristo
Redentor do Brasil, fato ignorado por muitos sergipanos. O dado foi evidenciado
no levantamento empreendido pelos pesquisadores da Faculdade de Belas Artes de
São Paulo, em 1984, que após identificar a existência de 1200 redentores
brasileiros destacaram o exemplar sergipano como mais antigo e original, pois
ele diverge da matriz carioca.
O Cristo Redentor sergipano foi construído entre os anos de
1924 e 1926, na colina São Gonçalo, há dois kilometros do centro histórico da
ex-capital. A obra tem 16 m de altura (10 m de base e 6 m da estátua) e foi
encomendada pelo Governo de Graccho Cardoso (1922/1926) ao arquiteto Bellando
Belandi. Não foi possível localizar biografia desse artista, sabe-se que
integrou a "missão italiana" ao lado de Serceli, Oreste Gatti, e
Frederico Gentil. Em conjunto, esses homens inovaram a arquitetura sergipana
nas primeiras décadas do século XX.[3]
A inauguração realizada no dia 24 de janeiro de 1926 foi
marcada pelo discurso do padre Luiz Gonzaga, da Bahia. [4] A área ganhou
restaurante e banheiros públicos em 1972, benfeitorias da administração
municipal de Paulo Correia. Até meados da década de 1980, o Cristo era um
legítimo atrativo turístico da cidade histórica, também área de lazer das
famílias, de festas populares, excursões escolares e de missas campais. Desde a
sua inauguração que a igreja organiza caminhada e soleniza o Cristo Rei perante
a imagem. Curiosamente, o grupo folclórico Caceteiras mantém a tradição de
dançar até ele para saudar a chegada do mês junino.
Infelizmente, o mérito do Cristo Redentor de Cristóvão
permaneceu, permanece desconhecido pelas instituições culturais de Sergipe.
Isso não é o pior. O Cristo Redentor de São Cristóvão fundado ás expensas do
Governo do Estado não é tombado pelo mesmo, tampouco pelo Governo Federal.
Compare-se o disparate: o Cristo Redentor do Rio de Janeiro foi tombado pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1937, o
monumento sergipano é símbolo do descaso, pode voltar a enegrecer no limo e
sofrer mais depredações.
No ermo da colina São Gonçalo o Cristo Redentor sergipano
divide a paisagem com duas torres metálicas de telefonia, o que é um absurdo. A
Carta de Atenas (1931), documento-base da orientação á salvaguarda do
patrimônio arquitetônico, em seu parágrafo III, ao tratar da valorização dos
monumentos, recomenda "a supressão de qualquer publicidade, da presença
abusiva de postes ou fios telegráficos, de todas as indústrias ruidosas, e
mesmo de chaminés altas na proximidade de monumentos artísticos ou
históricos".[5] Certamente que a retirada das horrendas torres dependerá
da interpretação do parecer solicitado pelo Ministério Público ao Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Outro desdobramento possível do importante documento será
uma pesquisa arqueológica para estudar as fundações na colina São Gonçalo.
Sabe-se que o Cristo Redentor foi erigido sobre as ruínas de uma antiga
construção. Teria sido a capela São Gonçalo ou São Cristóvão? O local foi uma
missão jesuítica ou mais um sítio da ex-capital? [6] Somente a intervenção de
peritos da arqueologia histórica poderá desenterrar a resposta para tais
hipóteses.
A preservação do Cristo Redentor de São Cristóvão depende do
seu tombamento, mas que não seja literal. Assim, aguardemos as providências do
Governo Federal, Estadual e Municipal. A iniciativa do Ministério Público
atenta para um princípio ausente nos programas das instituições de cultura e
turismo. Para Sergipe divulgar Sergipe é preciso antes conhecer, conhecer
porque não se valoriza e divulga um patrimônio cultural ignorado.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS:
[1] Cartilha do Tombamento. Pró-Memória, s/d.
[2] Conhecer Sergipe: Cristo Redentor de São Cristóvão.
Cinform. Aracaju, ed. 1065, 8-14/9/2003, p. 10.
[3] PORTO, Fernando de Figueiredo. Alguns nomes antigos do
Aracaju. Aracaju: Gráfica e Ed. J. Andrade, 2003, p. 38.
[4] BARRETO, Luiz Antônio. Graccho Cardoso: vida e política.
Aracaju: Instituto Tancredo Neves, 2003, p. 81.
[5] PRIMO, Judite (Org.) Museologia e Patrimônio: documentos
fundamentais. Cadernos de Sociomuseologia. São Paulo, 1999, N. 15, p. 79.
[6] WYNNE, Pires. História de Sergipe. Rio de Janeiro:
Pongetti, 1972, p. 53.
* Autor: Thiago Fragata [thiagofragata@gmail.com]
Pós-graduando em História Cultural (UFS) e sócio efetivo do
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGS). Blog: thiagofragata.blogspot.com
Texto e imagem reproduzidos do site: br.monografias.com
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