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Postada por Isto é SERGIPE, para ilustrar artigo.
Publicado no site do Jornal Folha de S. Paulo Ilustrada, em 16/02/2002.
Sílvio Romero é o notável pensador militante da cultura
brasileira
Por Gilberto Felisberto Vasconcellos*
Se haverá alguém entre nós que mereça ser considerado
intelectual, na acepção verdadeira da palavra, é o sergipano Sílvio Romero
(1851-1914), o crítico e sagaz observador de tudo o que nos diz respeito como
povo e nação.
Notável pensador militante da cultura brasileira, de uma
liberdade de pensamento e coragem a toda prova, mergulhou fundo no entendimento
do que somos na história: um singular produto colonial vindo ao mundo no século
16, resultando daí um povo que ainda se desconhece.
São raros os letrados que se ocupam de assuntos brasileiros.
Nossa predileção é por idéias e autores estrangeiros. Aí é que nos sentimos
metidaços. Queremos ser indivíduos de nosso tempo, mas não de nosso país. A
isso acrescente-se outro elemento complicador que Silvio Romero não poderia
evidentemente sequer imaginar: hoje o Brasil converteu-se em território
estrangeiro.
Crítico da cultura, informado pela convivência da tradição
popular, pioneiro na ciência do folclore, além de escrever bem, Sílvio Romero
contribuiu como ninguém para a anatomia da alienação colonial em seu combate à
escravidão, ao Império e à Igreja. Levou por isso bordoadas e descomposturas de
todos os lados, sobretudo por ter submetido a julgamento crítico o valor das
criações artísticas e culturais.
A tal ponto chegou que escreveu um famoso livro descendo o
malho em Machado de Assis, desde então unanimidade celebrada lá em cima no
pináculo das letras, considerando-o dúbio, retórico, desprovido de convicção,
de crença e de cultura científica, tendo perfil eclético, enfim, "o
conselheiro da comodidade literária".
É comum referir-se a ele sob a pecha de nacionalista
radical, de conteudista, de insensível, de preconceituoso. Sílvio Romero
acreditava na grande missão histórica a ser realizada pelo Brasil, malgrado a
terrível antinomia entre a exuberância da mamãe natureza e o povo vivendo na
miséria.
Temperamento alto-astral, avesso ao pessimismo e à fingida
alegria, cheio de entusiasmo, pai de 19 filhos, Sílvio Romero negou que a
genialidade criadora fosse acompanhada pelo traço epiléptico, melancólico e
cismador. "Gosto muito da vida; tenho a mania brasileira da luz e do
bulício do mundo; a terra me encanta."
Não é crível que tivesse sido inimigo do lirismo. "O
entusiasmo não se inventa, o sentimento não se fabrica por convenção." Não
devemos vê-lo como um antilírico; afinal, era filho e neto de portugueses.
Basta ler a narrativa de 1900 sobre Rio-Dacar-Lisboa-Porto, contando sua
primeira e única ida à Europa. Obra-prima.
Nosso xará de Apipucos, Gilberto Freyre, deve ao talento
sociológico de Sílvio Romero o conceito basilar sobre o lusotropicalismo.
Aliás, de 1900 em diante, tudo o que vale a pena no pensamento brasileiro, de
Luís da Câmara Cascudo, de Monteiro Lobato, de Nélson Werneck Sodré a Darcy
Ribeiro, é visível a emanação mental de Sílvio Romero com a sua abordagem
antropológica acerca do mestiçamento.
Não foi certamente movido pelo sentimento paranóico que ele
cantou a jogada: "Não estou disposto a deixar ser bifado o meu lugar na
história intelectual brasileira". Como se sabe, é violenta a perfídia
colonial entre os chamados homens de letras.
Embora refratário ao indianismo, ao caboclismo, à poranduba,
Sílvio Romero não foi de todo anti-romântico, se por romantismo entender-se o
incômodo ou o protesto diante da existência social do dinheiro: "As
ditaduras do patriciado do dinheiro", como denunciou sem papas na língua.
* Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências
sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora e autor, entre outros, de
"Glauber Pátria Rocha Livre" (Senac).
* Especial para a Folha.
Estudos de Literatura Contemporânea
Autor: Sílvio Romero
Organizador: Luiz Antônio Barreto
Editora: Imago
Texto reproduzido do site: folha.uol.com.br/fsp/ilustrad
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